DIÁRIO DE BORDO: A FELICIDADE SE ACHA NAS HORINHAS DE DESCUIDO...

                                                     Jorge Bichuetti

Madrugada. Céu estrelado. Na imensidão o brilho das estrelas cantam silenciosas das alegrias e tristezas das paixões humanas. Olhar o céu e nele descansar nossos pensamentos é uma lírica oração... Cedo demais, os pássaros, todos, estão, aninhados nas árvores, quietos, adormecidos. A Lua me acompanhou nesta aventura noturna. Hoje, o meu quintal é uma zona boémia: vegetariana... A roseira perfuma e multiplica seus cachos como se vivesse a singela alegria de ser para dar-se... Humilde, me enlouqueceu... Abraçou os álamos e   agora os álamos estão com alguns cachos, frutos desta terna bricolagem... A Lua foi dormir; viu que não era possível avistar a outra; assim, sem competição me deixou, escrevendo no sereno da madrugado...        adormecida, parece um anjo. Eu aqui...
Estou tão feliz... O perfume, as árvores na penumbra... Minha espera pelos passarinhos e pelos sinos...
Há como a felicidade anda nos caminhos e nós não a vemos...
A desejamos, idealizamo-la e planejamos a sua conquista; quase sempre com projeções megalomaníacas...
Ela está sempre além... Numa torre, num altar... Queremos o amor perfeito e totalizante; o sucesso e a fama; outros territórios e outras pessoas... Queremos uma outra vida. Reis sem coroa desejamos reinar; divas sem palco esperamos os aplausos para o fora anuncia uma hipotética felicidade interior...
Guimarães surge, agora, na lembrança: "a felicidade se acha nas horinhas de descuido".
Para a felicidade não existe protocolo, planta baixa, organograma... ela acontece na simplicidade do acaso que emerge nas horinhas de descuido...
O abraço de um amigo, o olhar de ternura, a escuta compreensiva, a canção mágica, a poesia disruptiva, o broto na árvore, o voo do pássaro, o céu... Uma boa prosa, um prece sincera... Um livro desbundante...As fotografias velhas... Este café, quentinho, que faz companhia e aguça meu paladar... O ato de solidariedade; a paz...
Não está no supermercado, nem nas tendas luxuosas da vida de etiqueta...
A felicidade mora nas horinhas de descuido. Quando nosso ego se esquece dos valores dominantes e mergulha no singelo e profunda vida cotidiana onde a amizade e a paixão, a natureza e as canções, a poesia e a magia; o sonho e as utopias entram no nosso coração e fazem festa, festa de alegria, no descuido do riso não programado, inesperado, cheio de húmus e pólens, de vida fertilizada, florescente, verdejante, vida de simplicidade, mas vida verdadeira...
A vida é assim...
Aperta e relaxa, pressiona e solta: " o que ela quer da gente é coragem" ( Guimarães Rosa)
Coragem de viver intensamente; de resistir, bravamente; de inventar, criativamente; de sorrir, expontaneiamente...
Coragem de ser com o outro... Coragem de ser o outro...
Coragem de amar sem controle ou exigências...
Coragem de se libertar. Livres, prontos para voar...
Coragem de amar as próprias lágrimas... De carregar a própria cruz...
E coragem de transformar as cruzes do caminho em desafios , pela luta, delas fazendo um banco para que no sossego da tarde contemplemos o pôr-do-sol ou uma fogueira que celebremos a vida numa noite de lual...

dia 14/05/2011 - universidade popular - 13 horas: educação em movimento nos caminhos da libertação...