terça-feira, 3 de maio de 2011

DIÁRIO DE BORDO: AS NEBLINAS DO INVERNO...

                                              Jorge Bichuetti

Corpo febril. Um vento cortante, gelo volatizado num opaco que rosa torna o céu e nos mergulha numa gelada neblima... Assim, amanheci. Sem quintal. A Luinha me abraçava, mais e mais... Pouco a pouco, o dia foi se envolvendo na iluminosidade do sol que raiou, tardiamente, mas veio... Para andorinhas, saracuras e pardais nada ocorreu; cantam agora. Embora, pense eu que duro deve ser o inverno para estes pássaros vadios, dados a permanentes perigrinações, sempre longe do calor de um lar.
Assim, sofre o povo da rua... Esquentando-se na fogueira improvisada com o fogo queimando as últimas manchetes dos jornais.
Preocupo-me com os Xavantes, do Mato Grosso do Sul, vivem numa doída miséria... Condições insalubres, doenças, miséria...
A exclusão e a intolerância, o abondono e a espoliação dão materialidade as miragens dantestas do poeta de tanto tempo atrás...
Aqui, penso num outro inverno que constantemente fala nas lágrimas que retratam a vida nos labores do cuidado.
Quantos vivem num prolongado e interminável inverno, o inverno da solidão...
Todos o enfrentamos... Muitas vezes, no meio da multidão nos sentimos profundamente solitários; outras vezes, no burburinho das conversações da casa que é nossa, mas da qual nos sentimos alijados, entre pessoas amadas, emerge a sensação de que estamos sozinhos...
Como superar a angústia da solidão?...
Sempre penso que a solidão e o deserto se igualam no clamor por povoamento...
Semear um oásis; depois, multiplicá-los...
A natureza que somos e não somos, uma vez que a coisificamos e a dominamos, apartando-a de nós... surge neste momento como um analisador da geografia da nossa solidão.
Reconectar-se com a natureza, incluindo-a - faunas e floras -, povoa nossas vidas.
Meus livros e seus personagens; meus discos e suas cantigas, meus filmes e suas epopéias... eles povoam a minha vida.
São encontros; encontros mágicos, diálogos silenciosas; porém, quanta presença!...
Dirão: sinto carência de vida humana.
Contudo, há tanta vida humana disponível... do nosso lado, vidas que esperam uma palavra, um carinho, um gesto de cumplicidade, uma migalha de ternura que os possilitem acretidar novamente na humanidade que anda deles esquecidos...
Normalmente, quando dizemos que queremos voz humana, mentimos... Guiados pela falta desejamos, muitas vezes, esta ou aquela pessoa... E nos fechamos no abismo da solidão, não anunciando que restritivamente nos movemos pela falta e pela onipotência; desejando um objeto específico... O desejo não tem objeto; objeto tem nossa subjetividade edípica, narcisista e onipotente... Não queremos gente, queremos nossa metade idealizada...
A solidão perece e se esvazia quando aceitamos que existem para cada uma das diversas linhas da nossa singularidade tribos...  A solidão nasce do caminho de segregação onde num roteiro individualista vamos pouco a pouco nos isolando das tribos que amam o que amamos, que curtem o que curtimos e vivenciam sonhos e ideiais similares a uma de nossas linhas de vida.
Queremos a totalização e acabamos no abismo da solidão.
A multiplicidade que somos, rede de singularidades -, abre-nos o mundo e nele encontramos o outro, muitos outros, outros que podem se conectar conosco via  uma destas linhas que temos e somos...
O grupo de amigos... o clube da poesia... a equipe de trabalho... nosso gueto de paixão esportiva... nossa turma de aventuras pelo mato... Somos um e muitos; do nosso lado, uma multidão de tribos, outros que se conectam conosco numa faceta da nossa vida singular...
Isolamamo-nos porque nos negamos a fazer e viver o que podemos com o outro que está do nosso lado; queremos provar que somos incondicionalmente amados e esperamos que ele viva com alegria as outras facetas que com ele não se conectam...
Não aceitamos que para estas outras facetas teremos que descobrir outros, outras tribos...
Portanto, diante da solidão, recordemos Deleuze: " Somos todos desertos, povoados de tribos, floras e faunas."... E a abandonemos repovoando nossas vidas.

4 comentários:

Ronilda David disse...

Sabe Jorge,
Hoje Tu já me fez sorrir e também chorar...
por um acaso Tu andou a ler minha alma?
Será que quando por aqui passei, deixei o livro de codificar meu eu?
A solidão em que vivo, a muito deixou de machucar porque a terra macerou com sua sabedoria e agora apenas reborda por entre os meus pensares um chão de outono , não dói mais...apenas o é.
Sim, Jorge,
Tu o assim fez, mostrando pacientemente o caminho do deserto nascido do Oasis
E serena tanto...
O silêncio rodeia-me em sépsia, com tamanha delicadeza que nem sinto a falto do respirar.
Ainda acredito nas canções de ninar e na girar das cirandas...
Sim ainda creio no bosque valente que o asfalto comeu
Lá ainda restou o chamado duma Fada Azul e do Coelhinho Encantado.
Vai ver meu Amigo,
vai ver que aqui sempre ao desperdir-me
A palavra obrigado, já vai estar inerente em cada letra que
oferto a Tu com simplicidade pela grandeza do que Tu nos dar.
É pouco eu sei,
mas...
assim mesmo Obrigado mais uma vez.

Abraço meu que aprende a seguir Tu agora um pouco mais.

Ronilda David

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

RONILDA, ESCREVO COM O CORAÇÃO E COM AS LIÇÕES QUE VOU RECOLHENDO NO CAMINHO: UM ESCRITO SINGELO DE QUEM CAMINHA... RECOLHENDO PEDRAS, FLORES, BRIAS E CHUVAS... PODEMOS POVOAR A SOLIDÃO E FAZÊ-LA FLORESCENTE. OBRIGADO PELO CARINHO E ABRAÇOS COM IMENSA TERNURA, JORGE

Nice disse...

Olá meu amigo obrigada por tua visita, estou aqui retribuindo o carinho.

Muito interessante o teu blog. Eu volto.

Parabéns.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Nice, tua poesia me enternece. a força da paixão nela nunca se dissocia de uma sensibilidade onde a arte dá voo ao amor.
Abraços com carinho; Jorge