Jorge Bichuetti
Os sinos não badalaram sua matinal oração... Quiseram, talvez, conversar , silenciosamente, com a vida; afinal, se repetem, diariamente, nunca lhes permitimos outra palavra... A Lua não se levantou; aninhada no meu travesseiro mantém seu sono e sonhos. Estive no meu quintal: samambaias, pés de beijos, romãs e limoeiro... decidi, sem magoar meus altivos álamos, irei plantar uma árvore nova: uma árvore do cerrado. Vendo-me menino com a ideia de um manacá, uma quaresmeira... árvores que eu amo; pensei no que vivemos e nas lutas que nos atravessam todos os dias...
Ninguém suporta produzir diariamente um sentido para a vida. Energizá-la, colori-la, vivificá-la... Somos o que proporciona as tribos que experenciamos com sentimento de pertêrncia...
Não se sobrevive somente com uma agenda pessoal... Porém, a alegria e a dor que se restringe a uma agenda pessoal sobrecarrega o humano e nos encontra muitas vezes vazios, apáticos e indolentes.
Nossas tribos, coletivos que dão espaço de existência às diversas linhas que compõem nossa singularidade e multiplicidade, enriquecem nosso cotidiano...
Somos, assim, nossas tribos...
Se há uma linha da nossa vida que não efetua uma conexão com outros personagens da epopeia humana, esta linha tende a definhar , lamuriar-se ou se contorcer, angustiada e moribunda.
Nenhum tribo totaliza a diversidade e complexidade do nosso eu e eus...
Daí, necessitarmos de muitas tribos... Grupos, coletivos... Gente que ama e sonha naquele território que trilha nosso desejo... E com somos muitos, desejos e sonhos, urge ampliar nossas conexões com a vida.
Um grupo, um coletivo, uma tribo emerge dos encontros... Dos bons encontros espinozianos: aqueles que na alegria nos fortalecem e nos estruturam corpos vivos e potentes.
E os encontros ocorrem no caminho... Se não caminhamos, inevitavelmente, nos precipitamos nos abismos da solidão...
A solidão é um momento rico e necessário: um isolamento temporário, de quietude e serenidade, onde nos lentificamos e vasculhamos nossas gavetas e selecionamos nosso arsenal e nossas procuras... Re-vemos nossa vida; nos revemos...
Porém, cristalizada , a solidão empobrece, entristece, amargura... Necessitamos de tribos, faunas e floras...
Necessitamos dar vida e caminho com bons encontros às diversas facetas da nossa multiplicidade que em si é uma rede de singularidades.
Somos diversidade: linha, fluxos, platôs... Somos palavra e silêncio, recolhimento e expansão, ação e reflexão, vida pulsante e quietude revitalizante...
Somos diversidade: família, amor, amizade, lazer, economia, poesia, cantigas, danças, esporte, espiritualidade, filosofia, bares, montanhas e cerrados, cidades históricas e florestas, riachos, cachoeiras e mares... e tantos outros que somos incontáveis, inomináveis, irrestritos...Somos multidão, uma multidão de vidas entre a pedra do caminho e a linha do horizonte...
Adoecemos, nos vulnerabilizamos na fixação, no monocromático, nas cristalizações, na repetição, na inflexibilidade e unicidade amorfa...
Se desejamos vida e saúde, alegria e paz íntima, o caminho é caminhos de luta e bons encontros: múltiplas lutas, múltiplos caminhos... Vida povoada pelas vidas que pululam latentes no âmago da nossa individualidade.
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