Jorge Bichuetti
A noite alta anuncia longe a aurora... Madrugada silenciosa e terno, é acolhedora... Fui só ver e sentir a vida que pulsa no meu quintal... A vida verdejante; os álamos bailarinos... os pássaros que chegam, de mansinho... Tudo isso envolto no brilho das estrelas e do luar nos leva a reverenciar a vida e na vida, uma azulada imensidão que é um grito de paz e liberdade.
Enamorei-me do luar; porém, com o coração batendo frágil, trêmulo... A lua bela no céu e eu... refletindo sobre a vida. A Luinha não quis minha companhia... E eu, um homem libertário, estou queimando... queimando de ciúme.
Assim, não poderemos fugir do tema amor, do amor na sua poesia e arrestas tão humanas.
O amor é o alimento da vida; a sustenta ou a fragiliza... Nele, podemos ser dependentes ou libertários...
Mas, o amor é sempre amor - doação, partilha, carinho, ternura, compreensão, cumplicidade, liberdade,
compaixão e responsabilidade...
Muitas vezes, simplificamos a questão e fugimos da sua complexidade... Paixão, amor, desejo... territórios de fascínio e terror; lugares de alegria e poços de lágrimas... é nossa humanidade.
Não desejamos um objeto; sonha-se encantado de desejo e paixão com um conjunto: uma paisagem, uma vida ali anunciada...
Algumas vezes... moralizamos a diferença entre paixão e amor: O amor, o lume que clareia; a paixão, o fogo que incendeia... Há algo de verdadeiro: a paixão é amor-desejo numa intensidade que nos desgoverna por que nos joga na fronteira...
Contudo, amor-desejo-paixão guardam enigmas e obstáculos, enraizados no funcionamento do nosso ego.
O ciúme não é uma expressão natural do amor e da paixão... Ele se enraíza no nosso funcionamento narcísico e onipotente, movido pela falta; o que nos leva a relações simbíoticas onde não há espaço para a singularidade do outro... Ele é submisso a nossa relação de apropriação privado das coisas e da vida. É possessividade...
Quem não vive tem medo da morte...
Quem ama pouco é escravo do medo de perder... Torna-se inseguro, paranóico...
O ciúme retrata nossa vida de encontros: mantemos relações de dominação ou subordinação; e não relações libertárias... E funcionamos, quase sempre, reativos; não assumindo uma postura ativa...
O ciúme, neste contexto, não resolve no espectro da repressão e do controle...
Quem ama e deseja a continuidade do vínculo: cuida; é companheiro; pulsa irradiante e brilha contagiante... se dá; tece alegrias e paz... inventa caminhos e horizontes... Faz do convívio um jardim florido...
A opressão, e o ciúme não-elaborado vira opressão obsessiva e trevosa, provoca asfixia, necessidade de ar... o que no amor significa necessidade de ir...
E ainda precisamos lidar com humano demasiado humano da realidade de que não temos domínio, nem selo de garantia, sobre a continuidade do sentir e do desejar do outro... O outro pode desejar, interessar-se por projetos, caminhos e horizontes que não nos inclui... Que fazer? Descobrir que o amor não se reduz a uma relação; ele é potência da vida... Ele não limita nem se retrai... Nosso ferido é que coíbe, reprime, suprime... Sempre podemos amar... Sempre podemos nos encantar com alguém, com a vida, com a imensidão...
Dor cristalizado numa fixação amorosa é autoflagelação; negação da alegria que existe imanente no processo de amar, de se dar... paralisia no desejo frustrado de ser amado...
Assim, busquemos o amor sem medo de ser livre e feliz...
recordando Guimarães rosa: " qualquer amor já é um cadinho de saúde, um descanso na loucura"... Se não, é por que é somente uma simulação... não é uma florescência viva do amor que dá vida e vitaliza o existir...