O ZAPATISMO E A CONSTRUÇÃO DA SOCIABILIDADE SOLIDÁRIA
Entrevista com Alejandro Buenrostro:
O que significa não desejar o poder?
Para a cultura indígena, o poder está na comunidade, no consenso da assembléia comunitária. A realidade cultural dos zapatistas e dos indígenas mexicanos é totalmente distinta da cultura ocidental, que tem como prática de poder o domínio e não a prestação de serviço. A experiência indígena, desde o descobrimento da América, foi experimentar a dominação, a exploração, a injustiça, o engano e a falta de respeito à dignidade humana.
Por isso, sua posição é não aceitar os poderes político e econômico do Estado burguês. Sua preocupação é lutar pela autonomia e dignidade, pelo bem de todos. Na visão ocidental, isso só é possível com a conquista do poder. Para a tradição indígena, não é esse poder que vale, é ter a possibilidade de crescer e viver, em paz, com a participação coletiva de todos.
Dessa forma, os zapatistas não querem ser vanguarda. Por quê?
Os zapatistas se consideram e querem ser considerados como uma das inúmeras forças existentes no país. Não querem impor sua própria maneira de lutar e sim conhecer profundamente os modos de pensar e de agir de todos os movimentos sociais e políticos existentes no México e também em outros países. São iniciativas que preparam o terreno para que todas as forças tenham a oportunidade de escutar e ser escutadas, sempre tendo em mente transformações realmente democráticas.
Enfim, eles querem aprender coletivamente o caminho a seguir. No momento atual, é reconhecer nos zapatistas a preocupação de escutar a todos que resistem e lutam pelo respeito à natureza e por um mundo mais humano e livre. O lema dos zapatistas é justiça, democracia e dignidade.
O que era autonomia para os zapatistas na época da revolução?
Enquanto para os revolucionários burgueses e a sociedade mexicana, em geral, o progresso era entrar e se adequar ao movimento de modernização existente na Europa e nos Estados Unidos, os indígenas e, concretamente, os zapatistas buscavam promover os recursos humanos, naturais e culturais do México. Eles tinham a visão de um México profundo, capaz de realizar o crescimento autônomo de seus valores culturais.
Como funcionam os municípios autônomos hoje?
A tarefa dos governos autônomos é analisar problemas e encontrar caminhos a partir do diálogo e da cultura da paz. Não há democracia sem a participação de todos, sem responsabilidade política pelo bem comum. Os municípios autônomos propõem uma nova relação com o Estado, com as instituições e todos os setores da sociedade. Autonomia é poder tomar as próprias decisões, sempre com diálogo e respeito. Os municípios autônomos já são, por si só, a mudança. Exercem, na prática, a possibilidade de transformação e de resistência.
Para os indígenas e os zapatistas, não existe propriamente uma hierarquia. Eles reconhecem as pessoas que prestaram serviços para a comunidade e todos sabem a importância do consenso comunitário. Nos municípios autônomos, as pessoas que têm autoridade foram eleitas democraticamente, sabendo que todos podem chegar a ser autoridade para executar o que foi decidido nas assembléias.
O que são os Caracóis?
Os zapatistas têm uma visão de mundo que tem permitido a eles tecer alianças continentais e contar com uma base social que tem se expandido para além dos limites dos municípios autônomos. Em cada caracol (rede social) existe um determinado número de municípios autônomos, que se conectam entre si, sempre com a preocupação do crescimento de todos. A partir de experiências e iniciativas locais, o que prevalece é sempre a colaboração e o respeito mútuo.
ENTREVISTADOR: GUGA DOREA
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