Floresta cidadã
Leonardo Boff
Cidadania se deriva de cidade e florestania, de floresta. Palavra nova e inteligente, criada pelo governo petista do Acre, representando conceito novo de desenvolvimento e de cidadania no contexto da floresta amazônica. Implementa-se cidadania nos povos da floresta mediante investimentos do estado em termos de educação, saúde, lazer e de formas de produção extrativista, respeitando a floresta. Floresta e ser humano vivem um pacto sócio-ecológico onde a floresta passa a ser um novo cidadão, respeitado em sua integridade, estabilidade e luxuriante beleza. Ambos são beneficiados, pois abandona-se a lógica utilitarista da exploração e se assume a lógica da mutualidade que implica respeito mútuo e sinergia.
Esta vontade política abre espaço para um enriquecimento possível do conceito a partir da reflexão ecológica mais avançada. Trata-se da florestania não só como cidadania na floresta mas como cidadania da floresta. Impõe-se ampliação da personalidade jurídica à floresta, aos ecosistemas e à Terra como Gaia. Bem disse o pensador Michel Serres: “A Declaração dos Direitos do Homem teve o mérito de dizer ‘todos os homens têm direitos’ e o defeito de pensar ‘só os homens”. Os indígenas, os escravos e as mulheres tiverem que lutar para serem incluidos em ‘todos os homens”. E hoje esta luta inclui as florestas e outros seres da natureza, também sujeitos de direitos e, por isso, novos membros da sociedade ampliada.
Depois de termos criado a ameaça de destruição da Terra-Gaia não podemos mais exclui-la do novo pacto social, como o fizeram Hobbes, Rouseau e Kant. Estes davam por descontado o futuro da Terra. Hoje não é mais assim. Devastada Gaia, não há mais base para nenhum tipo de cidadania. Se quisermos sobreviver juntos, a democracia tem de ser também biocracia e cosmocracia.
O fundamento teórico para esta ampliação da cidadania nos é fornecido pelas ciências da Terra. Elas nos asseguram que o universo não resulta da soma de todos os seres existentes e possíveis, como se estivem justapostos uns aos outros. Todos eles se encontram inter-retro-conectados. O universo é o conjunto articulado das conexões de tudo com tudo em todos os pontos e momentos. Todos os seres não são apenas portadores de massa e de energia mas também de informação trocada, retrabalhada e estocada de um jeito singular e próprio a cada ser. A partir disso admitem eminentes cientistas que o universo e cada ser são portadores de consciência e possuem subjetividade. A diferença entre a subjetividade humana e aquela do universo ou das florestas não é de princípio mas de grau. Em nós, em grau altamente complexo e, por isso auto-consciente, no universo e na floresta amazônica num outro, menos complexo mas igualmente com grau próprio de consciência e de subjetividade.
Se a florestania fôr assumida num sentido amplo como postulado aqui, enquanto cidadania na floresta e da floresta, assistiremos a algo inédito no mundo. Na região da maior biodiversidade do planeta, na floresta amazônica, se inaugurará um novo ensaio civilizatório, referência possível para as demas florestas tropicais da Terra, assumidas como cidadãos. Graças a políticos, imbuidos de nova utopia, que não só administram o bem público, mas antes, cuidam do povo e da vida em sua esplêndida diversidade.
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