Excesso
Amauri Ferreira
Apontamos o que seria a crise relacionada ao corpo reduzido ao hábito: o
esgotamento e o embotamento dos sentidos são sintomas dessa crise. Não é
novidade que o capitalismo nunca se opôs à crise ao fazer dela um
problema para ser administrado, e não solucionado. Se os corpos
confinados da sociedade disciplinar foram, num certo sentido,
flexibilizados nas suas relações pela sociedade de controle, é evidente
que essa composição entre disciplina-controle jamais resolveu a crise
que assola os indivíduos. Percebemos que vivemos, de modo acentuado nos
grandes centros urbanos, numa sociedade de excesso – excesso de estímulos que nos atingem (principalmente pelo uso estúpido das novas tecnologias), cuja quantidade e velocidade não acelera a produção de intensidades, mas, ao contrário, acelera a
quase ausência de intensidades e seu correspondente imediato, que é a
demanda cada vez maior por pequenas doses de prazer. Um pequeno prazer
associado a um estímulo visual, por exemplo: a obtenção é cada vez mais
facilitada, “democratizada”, todos têm direito ao prazer (afinal, diante
da oferta por prazeres, por que ficar triste?). Como tudo acaba, surge
uma angústia que é suspensa temporariamente de modo fácil, simples:
basta estar conectado e “clicar”. “Conectados vivemos melhor”: este
slogan, vindo de uma grande empresa de telecomunicações, nos leva a
suspeitar daquilo que dizem ser “melhor” para nós... Na sociedade de
excesso, o déficit de prazer não é o seu oposto. Mas, ao que nos parece,
o excesso, ao invés de ser a carta na manga que o capitalismo lançou
mão para administrar a crise que surge pela redução dos corpos ao hábito
(mesmo quando os hábitos são substituídos por outros que são impostos de fora), pode conduzir os corpos esgotados no extremo da crise
– um esgotamento que talvez não seja mais possível ser administrado.
Portanto, a relação entre excesso-déficit pode, enfim, tornar-se fecunda
porque essa crise não é mais disfarçada pela indústria do prazer
efêmero e aí, neste ponto, as coisas começam a ficar realmente sérias do
ponto de vista dos defensores de uma suposta “saúde”, “bem-estar”,
“tranquilidade” e “equilíbrio” para os indivíduos esgotados – uma crise
assim pode ameaçar seriamente a reprodução da matéria humana que é
necessária para a manutenção do sistema econômico vigente.
DO BLOG: http://amauriferreira.blogspot.com.br/
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