Jorge Bichuetti
Nunca pensei que a vida fosse um mistério... Viver e amar, caminhar e sonhar... Me pareciam tão naturais que nunca, de fato, disse o quanto era feliz no meu trabalho.
O trabalho com a loucura, com os portadores de sofrimento mental, tem sido, para mim, uma escola de liberdade e solidariedade, de paixão e com-paixão, de cidadania e direitos humanos...
Crescemos com medo da loucura... Era o perigo na esquina, o medo imposto pelos que cuidavam de nós...
A loucura , todavia, é expontaneidade e magia, ternura e poesia... O avesso do mundo sisudo é sério que mata, violenta e explora; exclui e marginaliza; nos impede de brincar, desejar e sonhar...
Com eles, descubro lágrimas e sorrisos, espinhos e flores, a rede de balanço e os passos febris e mágicos de uma nova dança.
Os loucos deliram; os normais, mentem...
Na mentira, reconheço as velhas e caducas manipulações mistificadoras...
Nos delírios, o virtual... As utopias, as paragens paradísiacas dos sonhos...
Pichón-Riviere dizia que havia "locos lindos" e "locos de mierda".
Loucura é diferença, singularidade, multiplicidade e devir...
Um perigo real para um mundo que nega o novo.
E, assim, a diferença é esquartejada pela instituído que a teme no sua potência instituinte de desbravar novos alvoreceres.
Negado e excluída, ela se vê capturada pelo adoecimento que a engaiola nos padrões dominantes...
Vira vida silenciada, mortificada, inibida e dilacerada...
Cuidamos desta dor...
E cuidamos, fomentando a construção produtiva e inventiva de caminhos para os desejos e sonhos que moram nas entranhas da aurora...
Há na loucura uma vivência de fronteira... Uma encruzilhada...
Um caos... E no redemoinho deste caos se misturam os detritos do nosso passado e o adubo fértil das florescências do nosso porvir.
O caos é criativo: caosmose...
Já dizia o livro santo que os que miram fixos para os escombros do ontem se petrificam, viram estátuas de sal.
Cada dor é uma pedra no meio do caminho...
Alguém ali a colocou, outros passaram e não a tiraram; e nós, muitas vezes, somos incapazes de carregá-la...
Cuidar, então, é bifurcar, ramificar, contornar e, deste modo, derivar nvos caminhos na direção de um novo amanhecer e de novos horizontes, para além da nossa história de para além de nós mesmos...
Trabalhamos com o humano na luta por uma vida direitos mais que humanos...
Por tudo isso, digo: nos entres das relaçoes com a loucura há uma vida, mais vida do que esa vida tão impregnada de morte...
Há uma vida emergente... Uma vida que se fossemos nomeá-la a chamaríamos de vida-esperança...
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
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4 comentários:
Sua levesa seu sonho sua pesia chegam a fazer-nos desejar e até mesmo invejar a loucura. Fica mais do que evidente uma cultura vivenciada muitas e muitas vidas e um retorno a pedido seu para buscar e ajudar outros a atingir esta insustentavel levesa do SER denominada felicidade. Loucura mesmo seria resistir e não te acompanhar nesta viagem e não tomar carona nesta calda de cometa
como diz a música.Que o bom DEUS te conserve a paz que você emana no que fala e no que escreve santuzza
SANTUZZA, VAGO PELAS ESTRELAS E POSO SRENO NO CHÃO... POIS MINHA FORÇA VEM DOS AMIGOS, QUE SÃO NO ESPAÇO DO DIA: MINHAS ASAS E MINHAS MÃOS...
ABRAÇOS.... JORGE
Estou com saudades de vc professor, da Lua e do pessoal do CAPS também... Da "loucura", e suas peculiaridades. Como a sinceridade que ela traz consigo.
Passei em Uberaba um belo tempo de experiencias. Provei tão presente e claro, o respeito a diferença.
E tenho pensado muito sobre o respeito que a sociedade deve ao delírio, ao sujeito "delirante". Respeito a sua produção de subjetividade, e respeito também a provocação causada por seu discursso.
Fantasia, asneira, mentira, culpa, verdades menos perseguidas.
Que devires militantes revolucionários brotem em nós, de nós, que nos contaminemos de um entendimento real, caosmótico, do que há de ser transformado, ainda...!
Assim quem sabe, um dia, poderemos ter em outros espaços um cotidiano tão afável quanto o que existe no CAPS Maria Boneca.
Vocês são lindos! Obrigada por toda afecção!
Sabrina.
Sabrina, eu e a Lua nos sentimos demasiadamente sós com a sua partida... Há encontros que , embora curtos, revelam sintonia, partilha e comunhão... Você é filha do luar...
Nós gostamos da sua companhia e a queríamos mais vezes junto de nós...
Beijos com afeto e carinho na ternura dos devires que ainda compartiremos...
Jorge
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