quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

APOLO VERSUS DIONÍSIO, OU SUOR, SERESTA E SONHOS...

A FESTA E O TÉDIO
                    Jorge Bichuetti


Carnaval! O Brasil parou... O batuque das baterias e o esplendor das escolas de samba; os atabaques africanos e o axé de São Salvador... E ainda os clubes e as nossas velhas marchinhas...
O Brasil parou, mas nem todos se degustaram com a folia.
Feriado prolongado. Para muitos, o descanso necessário; para outros, a catarse da festa... E para ambos, o feriado com certeza passou rápido, seduzido pela magia dos segundos quando o tempo é um tempo de realizar-se.
Porém, muitos igualmente sentiram no tempo prolongado a dor do tédio.
Viver é perigoso - dizia Rosa.
Gonzaguinha na vitrola ainda pergunta: E a vida, o que é minha vida, diga lá meu irmão...
O tédio atormenta-nos. E quando a maioria se ocupa de algo que não nos interessa, vivemos um vazio analisador da qualidade de vida que levamos no cotidiano.
Normalmente, escondemo-nos do tédio vivendo numa rotina exaustiva onde agimos robotizados, repetimos hábitos e obrigações, cumprimos um script que nos oculta de nós mesmos.
Assim, diante de uma festa, de um tempo livre, somos assaltados pela incapacidade de ver que já - quase sempre - andamos esquecidos dos nossos sonhos, dos nossos desejos, da nossa criatividade de inventar um lazer que nos permuta excomungar os fantasmas das nossas doenças e fazer nascer o anjo terapêutico de um sorriso autêntico e expontâneo.
A festa alheia sempre haverá de nos incomodar enquanto nós evitamos imprimir na vida a festa reprimida que podemos criar desde que deixemos, de lado, o jeito robotizado de se existir e adotarmos o direito de ser segundo a emergência da vida, que nasce das pulsações dos nossos próprios corações.
Divertir é um ato de saúde; o ócio, uma manifestação de vida estropiada. O tédio, um sintoma, e uma provocação. Ele nos revela o quanto nos sentimos incapazes, pouco criativos, livres, perante o tempo desocupado; isto, o quanto estamos alienados, nós não mais fabricamos no tempo a vida desejada, não concretizamos nos prazeres, não corremos atrás dos nossos sonhos. Ele nos provoca... O tédio nos provoca a construir uma nova vida: uma vida com a coragem de se descobrir e de fazer da vida uma festa, uma festa onde nos encontremos na arte de sorrir, brincar... Sorrir e brincar deixando nosso coração escrever sua história.
Uma rede e um livro; um banho de cachoeira; uma noite de amor à luz de velas e “champagne”; uma conversa e a comida caseira do fogão-de-lenha... Ou estar de corpo e alma com o Olodum... Vendo a Mangueira... Ou no salão com a alma de Carmem Miranda, Noel Rosa, Chiquinha Gonzaga... Enfim, qualquer maneira de divertir-se quebra o tédio se o lazer não é uma submissão ao efeito-mídia; se é, de fato, um tesouro arquitetado com as jóias do coração.

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