quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

SOCIEDADE DE AMIGOS : A POTÊNCIA DOS ES E DOS ENTRES...

ENCANTAMENTOS
 Vivemos e a maior riqueza se dá na multiplicidade dos bons encontros que nos vitalizam e colorem o horizonte.
  Aqui, um tesouros... Feito de es e entres... A  voz encantada dos amigos com suas produções... Produções belas e faíscantes de novas alvoradas.
  Deleuze tinha na arte a terapia por excelência, para além do catártico, via ele o inventivo, o inconsciente florescendo-se num território de devires e acontecimentos, onde singularizações criativas ondulavam uma nova vida e um novo mundo.
  Estradeemos, então, por estes encantamentos:


                                                    Ocaso

                                                     Andréia Attiê


Parei de fumar numa sexta
desde então estou poente

Sem lugar para o braço a língua
é como não ter onde almoçar no domingo

Fico a tatear o cotidiano para não estranhar demais
e ceder e correr e acender
a camisinha na transa
o cinto na estrada
o vício da brasa
o pensamento da fumaça




Não tem mais banquete
rede no final da montanha
nem gozo com
minha Clarice meu Vinicius
meu Chico meu Guimarães
meu Manoel meu Raduan
e meu...

Se eu ficasse irritada, fumava
feliz, fumava também
na espera, fumava
e com tédio, fumava traveis
fumava para tudo, até para ar

Era amigo amante analista
de tudo um pouco corpo
Era companhia nos desertos de Drummond:
Pois “tenho que arrumar a mala”

E salve o filósofo Pondé!
Ai... Que preguiça dos exércitos de rúcula
e dos tiranos da saúde degradados pelos deveres
Quero é o excesso e o risco de sol
o trago da vida breve
o leve o livre o leste-se
Dependentes da Ilusão

                                                                          Josiane Souza


Nascido dos farelos de um pão
Embrulhado na manta da solidão
Cresce de pernas compridas, e anda
Pelos caminhos turvos do coração.

Seu mundo líquido, escorre aguado
Encharcando pensamentos entulhados
Secar onde?
Se seu fogo sempre lhe é apagado.

Entortado na penumbra da esquina
Acende..traga..cheira...aplica
Ilusão, tem pra todo gosto!

Ilusão à pó...
Ilusão à pedra...
Ilusão à morte!






Poemas de Mardônio Parente

nós na cama
- quem haverá de
desatar?

lá fora.
ele aguarda sustenido.
aqui dentro,
nós dois bemóis
debaixo dos lençóis.


Se não houvesse vida-arte, a história se restringiria a um conto de um relógio repetitivo que não permitiria as rupturas temporais e existenciais. O tempo da arte é Kairós... o tempo do acontencimento,assim, somos devedores dos poetas que com sua arte abrem fissuras no caminho e ativam insurgências... O encontro do belo e do novo, do singelo canto de um pássaro e o explendor da imensidão sem fim da vida, vida abundante...
Segue, um conto de um poeta insurgente e singelo, terno e revolucionário...

INSURGÊNCIA EM SANTA JULIA

                                                                                        Paulo Cecílio

                                                                      

   Santa Julia fica no começo do mundo. Uma coleção de casas barrocas que abraçam a igreja da imensa praça de chão batido.
   Quando o cobre dos sinos vibra, o galo mais velho do terreiro , sistemático e assustado,põe em andamento a vida da pequena vila,que se move de acordo com o ritmo das baladas:poucas e suaves,ir pra roça;suaves e longas,hora dos anjos:lavar os pés,sentar na varanda,cheirar rapé.
   Batidas severas: domingo,missa. Hora de escutar padre Julio falar do inferno, avisar do feriado daqui três luas, exaltar a lei áurea, e pedir perdão pela pelos pecados da semana.
   Padre Julio,morto,seu relógio quebrado e o dia amanhecendo.Domingo.Dia de sino alto.
   O galo velho, o mais velho,mas aquele que dava a senha para a cantaria da alvorada, não cantou. Acontece que há muito tempo, ele e sua artrose contavam com os sinos do padre Julio como despertador. Os galos jovens ,em respeito aguardaram.
   Lá pelas tantas da manhã o sol forte acordou seu João da Mata,sistemático e envergonhado,que pensando ter perdido os sinos,saiu de mansinho por entre as mamonas, e sumiu de enxada na mão. Dona Maria,coitada, ficou pior. Depois de cinqüenta anos pentelhando o marido,acorda suada e só. Pente rápido na bica, fogo aceso, vai com cara de quem não viu, pedir polvilho da dona Jovelina, por cima do muro. Assim,com um ar de cansada, como quem estava no tacho havia horas.
   Juvelina, acordando com a gritaria,viu seu Zé dormindo,escutou dona Maria no Muro, e entrou em desespero. Agiu assim: enfiou o dedo no ouvido do marido, até travar nó do indicador, e saiu com o tal polvilho.
   Numa seqüência frenética,como o cair de dominós,foi assim que entrou em funcionamento a vila,no seu primeiro dia sem sino. E sem relógio.
   A primeira vítima, claro,foi o galo esclerosado, coitado,que perdeu a hora.
   Acontece que era domingo,mas ninguém sabia, porque quem contava os dias e as horas era o finado padre Júlio.
   Deu-se então que os moradores começaram a ter sintomas estranhos,e, claro,um dos primeiros foi a vontade de cagar fora de hora. Mas é claro ,ninguém tinha relógio, e ainda trabalhavam aos domingos....
   O que se seguiu então em santa Julia foi bizarro e belo.
   Os moradores se viram livres do calendário, do relógio, do sino,do padre, e gostaram. Perderam a contagem do dia.Diria o narrador que a inversa também vale,já que a contagem, desprezada, perdeu sentido e foi abandonada, e festejaram,e cantaram, e acenderam fogueiras para as estrelas....
   Padre Júlio foi silenciosamente enterrado, e já adianto, que seu sucessor,chegando à cavalo três meses depois, foi sumariamente executado.



     E para partilhar nosso encontro de amigos, na arte-vida, o poeta uberabense Vivaldo Bernardes de Almeida:      
                           " Eu vou apagar o Sol,
                          prender a noite no bar;
                          sere boêmio de escol,
                          com chope, viola e luar"

                                         



" Os cabelos estão brancos,
a face já é marcada,
foram trancos e barrancos;
só saudade e... mais nada."

Vivaldo Bernardes de almeida





6 comentários:

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

As poesias e o conto, as trovas...
tudo me emocionou muito...
Eu que rabisco versos para não perder-me no cotidiano, pois com eles me vejo surfando e voando, e na amplidão bebo da fonte viva para me aterrizar na Terra e nos caminhos com o espírito de guerreiro, li cada produção e nelas
reencontrei-me com Bandeira Rosa Pessoa Florbela Dos Anjos... Me embriaguei de vida-arte-poesia-amor-libert-ação...
Obrigado, por vocès produzirem..
Obrigado, pelo pão e vinho para meus dias de luta e labuta, peleja e escuridão.
Com vocês, colhi estrelas..
abraços jorge

Unknown disse...

Jorge, ñ sei se eu vou conseguir fazer o caminho certo aqui no blog, mas vou tentar escrever nessa janelinha. Vamos lá, então.

Venho visitar vc sempre aqui na sua casinha (minha avó contava q em Minas a porta é sempre aberta), daí entro, tomo um café, como um pão-de-queijo, fumo um cigarro (ops, agora ñ fumo mais), encontro os compadres e comadres (gostei da prosa com o Che), leio os "causos" inspirados, as surpresas em verso e principalmente o modo especial de vc sentir o gosto do mundo. Valeu! Bjo no coração, Andréia”.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Andréia, minha casa... fica num entrocamento entre a lua cheia e a estrela da manhã...
Com café forte e cheiroso, Noel e Pessoa, Rosa e Cora...
Cora-vida, cora-linda...
A poesia nos ata e a amizade nos sublime, transcendente, voamos...
Somos passarinhos, minha casa? ninho...
abraços jorge

paulo disse...

é só ir semeando, com os olhos no infinito... a alma responde florida. lindo blog, que mede o cosmos com a fita leve,e levita nossa alma...paulo.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tudo por uma nova suavidade... um pouco de ternura e uma camiinhada insurgente onde o infinito escuto estrelado nossos sonhos de libertação.abraços jorge

paulo cecilio disse...

Belíssimo o poema de Attié "A CASA DO MOMNJOLO". a ILUSTRAÇAO NÃO DEIXA POR MENOS.... bateu uma saudade sem dono... obrigado por reviver.