DIÁRIO DE BORDO: POR UM CANTO DE ESPERANÇA

                                                     Jorge Bichuetti

Estrelas cintilam na imensidão... Noite.Silêncio. Uma siriema errou o horário é já começou sua lamúria. A roseira cheia de flores, cachos brancos e rosas, já recebeu nossa visita. A Lua quis ir; já anda imersa num devir moleque de querer viver sem perder nada. Dorme, agora, nos meus pés... Entre álamos, uma multidão de estrelas...
As estrelas cantam, distantes, e eu escuto clamores que falam da esperança...
Por um canto de esperança, brilham...
Não me vejo: fatalista, negativista, niilista, derrotista...
Confesso, porém, que já estive com o corpo inundado de esperança. A esperança é uma palavra que veio do universo dos sonhos e conquistou nossas vidas, nosso dia-a-dia.
A esperança dá horizonte, novos horizontes para além do horizonte azul...
Dá corpo ao porvir... colore as virtualidades invisíveis... e enche o nosso coração de coragem, audácia e destemor...
A minúscula semente conserva em si as esperanças das matas...
Adoecemos quando perdemos nossas esperanças...
Ela não é um tempo futuro; é futuro presentificado no idealismo militante quem abre clareiras na escuridão e na densidade robusta da realidade nefasta e sinistra da vida cinzenta...
É o canto da aurora; a poesia dos enamorados; a prece dos místicos...
Filha dos sonhos, é fé na vida, esta andarilha que se metamorfoseia e transmuta, resiste e insurge tecendo as paisagens de um novo tempo.
Muitos se incomodam com a minha mania de a tê-la comigo.
Teimoso, insistente, persistente: eu creio na potência da esperança e a permito  circular no meu corpo, dando-me a potência de me devir guerreiro e lutando, con-viver com o amanhã no hoje.
A esperança é uma ancestral profetiza.
Fala, canta, dança... ora. Movimenta-se e anuncia a liberdade e a solidariedade, a paz e a inclusão social, a ternura e suavidade, a generosidade e a compaixão como forças motrizes da construção de um outro mundo possível e necessário.
Quando muitos se acomodam no capitalismo, que nunca deixou de ser selvagem, canibal, eu creio no socialismo libertário...
Quando muitos mobilizam as vantagens da corrupção e do parasitismo no arborescente aparelho estatal, eu creio nas organizações moleculares que semeiam a dignidade, a ética, os direitos humanos, o direito à diferença e as bandeiras multicolridas da felicidade que emerge do bem comum...
Quando muitos se rendem à globalização excludente, eu creio na diversidade cultural, étnica, sexual, existencial...
O consumismo, o individualismo, a ganância, a competição e a estigmatização não toleram a esperança.  A esperança fala de todos. Fala da Mãe Terra, dos povos indígenas, dos gays, dos portadores de sofrimento mental, dos portadores de diferenças no funcionamento corporal, do povo da rua, dos povos da floresta, dos sem-tetos, dos sem-terra, dos negros, das protistutas, dos meninos de rua, dos velhos solitários, nos doentes... Condena a fome e a miséria, as guerras, os desmatamentos, as cercas, a acumulação, a marginalização, a poluição, os danos à mãe natureza, as armas nucleares, os microfascismos, a força bruta, o machismo, as instituições totais, a violência institucionalizada e a violência nas ruas, a corrupção, o parasitismo dos políticos, a vida de espoliação dos humildes pelas elites, o aniquilamento e as distorções da história e da cultura... Ela fala e condena... Condenando, denuncia; denunciando anuncia...
A esperança anuncia as lutas que necessitamos assumir, vivè-las num combate permanente por mudanças que dignifiquem  a vida e que nos permitam viver na intensidade da alegria impertubável de um socius libertário.
O mundo me olha e me chama de dinossauro..Sigo, sou um esperançauro...
Páscoa: renovação da esperança... A superação da paralisia que nos afeta os horrores das duras e cruéis crucificações diárias, onde o calvário se repete... com os cristos anónimos sendo novamente, subjugados, dilacerados, mortos...
Hora de sepultar o pessimismo, hora de renovar a luta... Hora de de reinstalar a magia dos sonhos...
A ciência formal, as elites, os ideólogos do sistema não gostam da esperança. Ela é força insurgente, é pulsação rebelde, é vida afirmada na luta e na utopia.
Ela é amiga dos poetas, dos mendigos, dos boémios, dos guerrilheiros, dos lutadores... Ela é a igreja profana de todos os deuses. Ela é voz da vida... E é o farol dos que ousam sonhar...  Dos que não querem as redomas da covardia.