quarta-feira, 1 de junho de 2011

BONS ENCONTROS: PARA ONDE VAMOS?... BOFF E OS DESATINOS DA HUMANIDADE...

                  Miséria na cultura: decepção e depressão
                                            Leonardo Boff

Em 1930 Sigmund Freud escreveu seu famoso livro “O mal-estar na cultura”e já na primeira linha denunciava: “no lugar dos valores da vida se preferiu o poder, o sucesso e a riqueza, buscados por si mesmos”. Hoje tais fatores ganharam tal magnitude que o mal-estar se transformou em miséria na cultura. A COP-15 em Copenhague trouxe a mais cabal demonstração: para salvar o sistema do lucro e dos interesses econômicos nacionais não se teme pôr em risco o futuro da vida e do equilíbrio do planeta já sob o aquecimento que, se não for rapidamente enfrentado, poderá dizimar milhões de pessoas e liquidar grande parte da biodiversidade.
A miséria na cultura, melhor, miséria da cultura se revela por dois sintomas verificáveis mundo afora: pela generalizada decepção na sociedade e por uma profunda depressão nas pessoas. Elas têm razão de ser. São conseqüência da crise de fé pela qual está passando o sistema mundial. De que fé se trata? A fé no progresso ilimitado, na onipotência da tecno-ciência, no sistema econômico-financeiro com seu mercado como eixos estruturadores da sociedade. A fé nesses deuses possuía seus credos, seus sumos-sacerdotes, seus profetas, um exército de acólitos e uma massa inimaginável de fiéis.
Hoje os fiéis entraram em profunda decepção porque tais deuses se revelaram falsos. Agora estão agonizando ou simplesmente morreram. Os G-20 em vão procuram ressuscitar seus cadáveres. Os professantes desta religião de fetiche, agora constatam: o progresso ilimitado devastou perigosamente a natureza e é a principal causa do aquecimento global; a tecnociência que, por um lado tantos benefícios trouxe, criou uma máquina de morte que só no século XX matou 200 milhões de pessoas e hoje é  capaz de erradicar toda a espécie humana; o sistema-econômico-financeiro e o mercado foram à falência e se não fosse o dinheiro dos contribuintes, via Estado,  teriam provocado uma catástrofe social. A decepção está estampada nos rostos perplexos dos lideres políticos, por não  saberem mais em quem crer e que novos deuses entronizar. Vigora uma espécie de nhilismo doce.
Já Max Weber e Friedrich Nietszche haviam previsto tais efeitos ao anunciarem a secularização e a morte de Deus. Não que Deus tenha morrido, pois um Deus que morre não é “Deus”. Nietszche é claro: Deus não morreu, nós o matamos. Quer dizer, Deus para a sociedade secularizada não conta mais para a vida nem para coesão social. Em seu lugar entrou um panteão de deuses, referidos acima. Como são ídolos, um dia,  vão mostrar o que produzem: decepção e morte.
  A solução não reside simplesmente na volta a  Deus ou à religião. Mas em resgatar o que eles significam: a conexão com o todo, a percepção de que o centro deve ser ocupado pela vida e não pelo lucro e a afirmação de valores compartidos que podem conferir coesão à sociedade.
 A decepção vem acolitada pela depressão. Esta é um fruto tardio da revolução dos jovens dos anos 60 do século XX. Ai se tratava de impugnar uma sociedade de repressão, especialmente sexual e cheia de máscaras sociais. Impunha-se uma liberalização generalizada. Experimentou-se de tudo. O lema era: “viver sem tempos mortos; gozar a vida sem entraves”. Isso levou a supressão de qualquer intervalo entre o desejo e sua realização. Tudo tinha que ser na hora e rápido.
  Disso resultou a quebra de todos os tabus, a perda da justa-medida e a completa permissividade. Surgiu uma nova opressão: o ter que ser moderno, rebelde, sexy e o ter que desnudar-se por dentro e por fora. O maior castigo é o envelhecimento. Projetou-se a saúde total, padrões de beleza magra até a anorrexia. Baniu-se a morte, feita espantalho.
Tal projeto, pós-moderno, também fracassou, pois não se pode fazer qualquer coisa com a vida. Ela possui uma sacralidade intrínseca e limites. Uma vez rompidos, instaura-se a depressão. Decepção e frustração são receitas para a violência sem objeto, para o consumo elevado de ansiolíticos e até para o suicídio, como vem ocorrendo em muitos países.
  Para onde vamos? Ninguém sabe. Somente sabemos que temos que mudar se quisermos continuar. Mas já se notam por todos os cantos, emergências que representam os valores perenes da “condição humana”. Precisa-se fazer o certo: o casamento com amor, o sexo com afeto, o cuidado para com a natureza, o ganha-ganha em vez do ganha-perde, a busca do “bem viver”, base para a felicidade que hoje é fruto da simplicidade voluntária e de querer ter menos para ser mais.
  Isso é esperançador. Nessa direção há que se progressar.

 

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