quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

DIÁRIO DE BORDO: LONGE, CANTAM OS SABIÁS...

                                 Jorge Bichuetti

Madrugada chuvosa... Entre meus olhos e o azul do horizonte, nuvens... Chove e a chuva seduz minhas plantas e o meu quintal... Festeiros, madrugam... Porém, os pássaros se protegem... Longe, cantam os sabiás... Andorinhas e pardais, os vejo, aninhadas nos álamos e no pé de romã... O cheiro de mato e o tamborilar da chuva no telhado convida: pede sono... Mas, é preciso caminhar e sonhar... Não sei se a minha pequena Luinha, por ter ouvido ontem poesias de Neruda e Benedetti, amanheceu com alma guerrilheira... Está sapeca... afugenta meu sono, indo pela casa, com seus brinquedos... 
Muitas vezes, já quis dizer: é hora de parar... já dei os passos que o meu corpo suportava...
Contudo, a vida não concorda e me desafia... Diz, silenciosa, que caminhar não é opção, exercício saudável, nem disciplina apolínea: é princípio ontológico... Somos do caminho; estradeiros... somos chamados a ser caminho...
A vida, a Luinha e a boniteza do meu quintal andam lendo Juvenal Arduini, o Monsenhor dos Direitos Humanos...
Parar é estagnar-se, cristalizar-se, petrificar-se... Não desejo ser uma pedra no caminho da vida que a sei amante do horizonte azul, o azul que pulsa, pedindo novos passos...
Também, hoje, sei que não basta não dar nenhum passo atrás... Urge seguir adiante, desbravar clareiras... Buscar a aurora...
A chuva é maliciosa, dengosa e sedutora... Pede sossego, sono vegetativo, vida acomodada...
Nosso coração,nossos sonhos... eles almejam seguir... caminhando: passarinheiros ; sementeiras...
A vida voa... Lá fora, as dores do mundo... somos mundo; as dores nos cortam e nos ferem...
Urge inventar um novo mundo... Secar lágrimas, multiplicar risos, cantos e poesias...
Que loucura! acreditamos que viveríamos sem os nossos sonhos...
O ser humano já foi definido pelo trabalho, pelo desejo e pelo ócio... Porém, o que nos faz saltar, voar sobre abismos, descortinar um novo tempo... é nossa capacidade de sonhar... Sonhar na magia do céu estrelado e do luar... sonhar na poesia da aurora... e sonhar nos vendavais quando a vida nos pede resistência e valor... dignidade e ousadia...
Lá fora, chove... Aqui, no bailado dos álamos, a vida germina e sonha... desnuda-se e se revela na sua ânsia por caminhos de libertação e paz...
Chora as guerras, os hematomas dos excluídos, as cicatrizes dos oprimidos...
A vida clama por um novo mundo... se encanta com os sonhos das flores e anima com as flores dos nossos sonhos...
A vida é mãe carinhosa num lamento doído onde reclama a presença dos filhos roubados dos seus abraços maternais...
Viver é caminhar, sonhando... viver é mudar a vida e transformar o mundo para que caiba na vida e no mundo os voos e os nichos do amor incondicional...


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