Parece que é urgente repensar nossa postura no campo do cuidado da dependência química... Temos sido derrotados; nossas práticas clínicas e sociais no cuidado pouco conseguem...
Cabe primeiro desdiabolizar e descriminalizar o que é na vida dor, sofrimento... Não cuidamos, nem reabilitamos, se nosso olhar é de quem vê no dependente químico um fracassado, um marginal, um ser que nega a vida e deseja a morte...
Frei Beto afirma que ninguém suporta a normalidade...
Rotelli diz que as drogas são amplificadores da consciência e Deleuze, que são experimentações vitais... e todos concordam que são vivências e experimentações perigosas por trazerem o perigo de conterem em si uma proximidade experencial e componentes da própria química das drogas que as situam nas margens do abismo. O abismo da repetição compulsiva, do abismo-buraco negro - esvaziamento se sentido da vida e do mundo...
Ambos, já assinalavam um equívoca das nossas intervenções: Deleuze afirma que a subjetiva mudou... e que não funcionamos centrados no afetivo e no mnésico; o psiquismo hoje é agenciado primordialmente pela percepções e nestas um grande valor nas micro-percepções... Rotelli - claramente - grita que necessitamos ser mais sedutores do que o mundo das trocas...
O grande erro é que buscamos, muitas vezes, no cuidado, clínico e social, que as drogas sejam abandonadas e substituídas pelo nosso mundo triste, cinzento, solitário, de desamor e violência... Temos que humildemente buscar Dionísio... para que ele nos auxilie a construir cuidados e políticas públicas onde possamos oferecer caminhos de vida - alegria e sonhos...
Ouso a dizer que pedimos aos nossos jovens que se cuidem.. que abandonem numa árdua luta o inferno da overdose e venha viver a overdose do nosso inferno. Queremos cuidar, mas na luta contra morte vamos descobrindo que oferecemos em troca uma outra morte, a nossa morte da vida cinzenta... Busquemos na alegria a potência da vida para que a vida seja a nossa interlocutora ante os perigos e avanços da maldita morte.
Embora, brevemente, acrescentarei aqui... compreensões necessárias na superação da dor da dependência química...
Freud afirma que a passagem da infância para a vida de adulto passa por um movimento interno de rebeldia onde se mata o pai interno, para que a pessoa assuma o auto-governo de si mesmo... O que nos diz diretamente que indignação, rebeldia e insurgência são canais de entrada no mundo das trocas; porém, igualmente, podem ser manuseados como vias asfaltadas para o grande livramento, para a saída.
Os lacanianos nos auxiliam dizendo que a dependência é mais grave e voraz nos psiquismos, subjetividades que funcionam mobilizados pelo desejo do prazer oceânico, com limites da capacidade de suportar frustrações... Assim, há que se reinventar a subjetividade cunhar gradativamente os mecanismos de auto-controle, de continência na convivência com dores, limitações e derrotas... Precisamos assumir o vida de humanidade que é paradoxal: alegria e dor, amor e rejeição, paciência e cólera, vitórias e derrotas...
Ainda acrescento o texto de Deleuze: A porcelana e o vulcão...
As drogas nos põe numa velocidade e intensidade que se não criamos linhas de vida para dar consistência e voar sobre os abismos, já que tal velocidade e intensidade, nos coloca na fronteira entre a vida, o abismo e para além do abismo, linhas de vida nova, esta energia volta-se e tatua nosso corpo com um destino de morte... a fissura.
O que nos sugere um retorno a Frei Beto.. que dizia que se livrar da dependência era necessário um,a causa, uma paixão, um projeto novo, inovador para vida. Uma causa política, existencial, espiritual, amorosa, artística, uma militância pela vida na alegria de um sonho...Busquemos o que pode a ternura, a alegria, o amor... cuidemos, nunca nos esquecendo que cuidar é incluir... e incluir a diferença nos obriga a ver nossa vida e nossos caminhos abertos ao devir.
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