Lua cheia, café quente e a cantoria de Marcelo Taynara com seu lamento camponês... O orvalho cheira... verde, mato, terra molhada... rosas... cachos de rosas brancas nos pés dos álamos, como se houvessem descido do infinito azul só para alegrar a aurora... No céu, algumas estrelas bailam na roda mágica da lua cheia; no chão, a Luinha brinca... escuta os sinos e espera, nos meus braços, a cantoria da passarada... Luinha conhece pouco do mundo... mas, sabe de Cora Coralina, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Bandeira, Benedetti... Gosta de samba que lhe parece anuncio de festa; teme Tchaikovsky, pois o vê como prenúncio de minhas lágrimas... Mas, somos felizes... nas horinhas... nos encontros... nos voos... nos sonhos...
Lhe contei no perfume do café coado na hora que o Rio Grande caminha e chega no aconchego de Montevideo... Quis ouvir milongas... Pediu que eu não deixasse ninguém tomar um trago da cachaça spinoziana que ela guarda na espera da conversa alegre... saudade viva... amizade tecida no carinho das palavras e dos silêncios que nos compõem canto e magia das Geraes...
Aqui, na escuridão prateada pela lua cheia, eu espero... eu espero o alvorecer...
Carregando saudades, esperamos o porvir... Embora, não o esperemos de braços cruzados... Caminhamos; sonhamos, cantamos; celebramos a vida e a capacidade de "mudar a vida, transformar o mundo"...
Nosso quintal é um ninho de alegria, serenidade e esperança...Um espaço liso povoado de molecularidades insurgentes: versos, cantigas, lutas...
Entre as montanhas das Geraes e a boniteza do cerrado, existimos...no entre: a valsa e o samba; a rosa e o espinho; os encontros e a saudade...
Brincamos... fazemos do canto dos passarinhos a nossa oração matutina... e no encanto das borboletas, enxergamos os voos da liberdade... na terra molhada, o cio da vida com suas manhãs e seus amanhãs...
Numa encruzilhada, perdemos o terno cinzento... a gravata... o relógio...
Transformamos na curva do rio, a poesia que agora é nossa maior e única riqueza...
Os amigos?... Não são contáveis; são sentidos e vividos na alegria de seguir no caminho, partilhando nossas vidas e o horizonte azul...
Como foi grandioso a ousadia de rasgar os escritos endiabrados que diziam que o sonho havia acabado...
Como foi vitalizante negar os chamados da força bruta e dos podres poderes, para poder descobrir as potências que pulsam, brilham, bailam e cantam no coração da ternura e na pele da suavidade...
A vida é um grande deserto que vamos, no caminho, povoando de sentidos e bonitezas...
A angústia é só um eco... um clamor do infinito que sofre com o nosso confinamento na mesmice...
Podemos reinventar a vida e o caminho... Colori-los, impregná-los de sentidos...
A ousadia de amar e sonhar muda o destino... cria bifurcações, ramifica e nos dá asas... Podemos, então, outrar-se... Ir além; ser uma multiplicidade que se singulariza no movimento de serpentear-se pelo caminho mambembe das metamorfoses que nos despertam para o novo e para as mudanças...
O ego, o nosso e o dos outros, e um rabugento carrasco...
O ser humano é capaz de se fazer, de se desfazer e de se refazer... Devir, acontecer... superar limites e fronteiras e voar na imensidão... florindo nos encantos primaveris do chão orvalhada na ternura e na suavidade da aurora...
Há uma rosa no nosso coração...
Há o nosso coração nas entranhas de uma rosa...
Viver é florescer... povoar desertos e seguir... buscando o horizonte azul com a mesma leveza que as folhas secas caminham na correnteza com uma indomável sede de mar...
2 comentários:
Lendo seu texto desejei esse florescer, mas criei raízes profundas no meu deserto. Fiz das minhas lembranças uma pátria de intimidades e, agora, não tenho o passaporte para "mudar a vida, transformar o mundo".
Lindo texto! Palavras-convite para um reflorestamento... Obrigada!
Julieta, todos abrigamos sementes e roseirais adormecidos: despetemo-los... para isso, deixemos o orvalho e o luar penetrar nossa alma, com a poesia do infinito. abraços com imensa ternura, jorge
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