terça-feira, 6 de março de 2012

SOCIEDADE DE AMIGOS: A POESIA NAS ENCRUZILHADAS DO TEMPO; PAULO CECÍLIO

O DESPERTAR
           PAULO CECÍLIO

ai  descobres  
descobres que uma estranha 
comeu teu relogio em mil madrugadas de engano: 

descobres um brilho estranho nos olhos dos teus filhos 

percebes que vistes a placa errada: 
a placa sumiu, o tempo sumiu. 

tua obra entortou de vez.

descobre que teus delirios 
nao brotaram. 

que teu amor foi pouco
teu gemido foi mudo, louco, rouco. 

agora percebes o que te resta de você:  

artroses comendo teu dedos 
segurando tuas palavras com ferrugem 

com ferrugem 
com ferrugem

tuas pernas foram comidas 
teus pratos lambem ratos prateados 

onde ir agora 
com estas rodas mergulhadas no chão 
em que plantaste teus sonhos todos, 
tua ira,  teu verbo?

ficas ai sem saber onde puseste as palavras criadas ,
as mentiras que dissestes balbuciando: a vida é bela.

é bela agora neste canto de estrada, 
com o sol sumindo 
atrás das árvores que poupaste? 

é bela enquanto gritam, 

exigindo-te todos os milagres,
todos os pães todos os vinhos? 

exigindo teu silêncio:

arrancando a fruta do teu peito, 
dilacerando-te.

que gosto tem 

o os últimos goles de teu vinho, 
cheio de veneno e desprezo, 
cheio de carrascos surdos, 
quando dizes finalmente: 


misericórdia?...
 
 

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