O DESPERTAR
PAULO CECÍLIO
ai descobres
descobres que uma estranha
comeu teu relogio em mil madrugadas de engano:
descobres um brilho estranho nos olhos dos teus filhos
percebes que vistes a placa errada:
a placa sumiu, o tempo sumiu.
tua obra entortou de vez.
descobre que teus delirios
nao brotaram.
que teu amor foi pouco
teu gemido foi mudo, louco, rouco.
agora percebes o que te resta de você:
artroses comendo teu dedos
segurando tuas palavras com ferrugem
com ferrugem
com ferrugem
tuas pernas foram comidas
teus pratos lambem ratos prateados
onde ir agora
com estas rodas mergulhadas no chão
em que plantaste teus sonhos todos,
tua ira, teu verbo?
ficas ai sem saber onde puseste as palavras criadas ,
as mentiras que dissestes balbuciando: a vida é bela.
é bela agora neste canto de estrada,
com o sol sumindo
atrás das árvores que poupaste?
é bela enquanto gritam,
exigindo-te todos os milagres,
todos os pães todos os vinhos?
exigindo teu silêncio:
arrancando a fruta do teu peito,
dilacerando-te.
que gosto tem
o os últimos goles de teu vinho,
cheio de veneno e desprezo,
cheio de carrascos surdos,
quando dizes finalmente:
misericórdia?...
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