Metáfora do pós-moderno
Leonardo Boff
Nesta época do ano, em pleno inverno, irrompem em flores os ipês, as cerejeiras japonesas e os pessegueiros. Especialmente em cidades do sul do País estas plantas enfeitam ruas, avenidas e parques. Mas nem sempre o cultivo delas é feito no sentido da ecologia que é consorciá-las com outras companheiras ou plantas em ambientes adequados.
Tempos atrás numa visita à minha família em Curitiba no Paraná encontrei grave agressão a um pessegueiro no famoso Largo do Rosário. Num canto, solitário, via-se que sofria de descuido e abandono. Enquanto minhas irmãs sorviam um sorvete de frutas, eu tomado de compaixão budista, assumi as dores do pessegueiro. Mais ainda, vi nela uma metáfora. Num guardanapo, escrevi versos que intitulei: E respondeu sorrindo.
Pessegueiro? Sim, o pessegueiro.
À solidão o condenamos
Sem nenhum companheiro.
Ao redor, pedra e cimento,
E só um pouco de terra como alimento.
Colocamos vigilantes
Para que não visse nem falasse:
Os prédios rutilantes
Impedindo que irradiasse
Sorriso aos passantes.
E agora respira o mormaço
Da cidade sem sua graça.
Os cães marcam nele espaço,
A seiva, presa em mordaça
E ele, sem folhas e apenas um braço.
Cheio de penas, todo exprimido
Sua vida é martírio pesado.
Mas sofre sem qualquer gemido
Qual Cristo vivo e crucificado.
Quem dará ao absurdo um sentido?
Será o vento? A parede enguliu
Será o sol? A sombra roubou
Será a chuva? A nuvem levou
Será o cuidado? Nunca se viu.
Será a poda? Quase o matou.
E ele, o pessegueiro, o prisioneiro?
Concentrou a pouca força que tinha
E refez seu corpo inteiro.
Olhando ao redor, o céu esquadrinha
E então: floriu, floriu, altaneiro.
Ao ódio, deu a flor
À mão que feria, o vigor
Ao mormaço, o céu de anil
Aos passantes, o suave odor
À cidade maldita, a florada primaveril.
À solidão o condenamos
Sem nenhum companheiro.
Ao redor, pedra e cimento,
E só um pouco de terra como alimento.
Colocamos vigilantes
Para que não visse nem falasse:
Os prédios rutilantes
Impedindo que irradiasse
Sorriso aos passantes.
E agora respira o mormaço
Da cidade sem sua graça.
Os cães marcam nele espaço,
A seiva, presa em mordaça
E ele, sem folhas e apenas um braço.
Cheio de penas, todo exprimido
Sua vida é martírio pesado.
Mas sofre sem qualquer gemido
Qual Cristo vivo e crucificado.
Quem dará ao absurdo um sentido?
Será o vento? A parede enguliu
Será o sol? A sombra roubou
Será a chuva? A nuvem levou
Será o cuidado? Nunca se viu.
Será a poda? Quase o matou.
E ele, o pessegueiro, o prisioneiro?
Concentrou a pouca força que tinha
E refez seu corpo inteiro.
Olhando ao redor, o céu esquadrinha
E então: floriu, floriu, altaneiro.
Ao ódio, deu a flor
À mão que feria, o vigor
Ao mormaço, o céu de anil
Aos passantes, o suave odor
À cidade maldita, a florada primaveril.
Não é uma metáfora da condição humana na pós-modernidade? Não é semelhante ao pessegueiro, solitário e cortado de toda relação cordial? Mesmo assim o pós-moderno, como o pessegueiro, é também ele desafiado a ser humano, na medida em que consegue tirar sorrisos de suas penas e flores de seus infortúnios: simplesmente florir e florir.
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