quarta-feira, 23 de março de 2011

DIÁRIO DE BORDO: AS ENCRUZILHADAS DO ESTRADEAR...

                                                                       Jorge Bichuetti

Aqui, estamos... Caminhando, estradeando... Com saudades do Araguaia e com a visão rememorando fotos, palavras, paisagens... Quantos amigos esta vida me deu e me dá!... silencioso, com a quietude das recordações, vejo a inquietação da pequena Lua. Para Lua, a vida só possui duas velocidades: seu sono preguiçoso e suas aceleradas travessuras... Como é terna, minha pequena princesa!... Cuida, preocupa-se e se nota um ávido desejo de que a vida fosse leve, suave e sem fardos...
Estradeando, vamos descobrindo infinitos horizontes no mesmo céu azulado...
Quando se é muito jovem, a vida é sentida, somente na aceleração, no ruído, na alta velocidade... Só se permite o viver e o devir-se na amplificação, na intensidade maximizada... Talvez, não seja uma característica da juventude; mas, sim, o modo dominante de se viver e existir... Do nosso jeito ocidental de ser...
O silêncio, a quietude e a lentificação são incómodas e indesejáveis; contudo elas, igualmente, são espaços de devir, do novo e da mudança.
Não se trata de masoquismo, de um elogia às aflições, dores, problemas, contrariedades e limitações...
Trata-se de uma constatação: o processo de superação e a própria resignação ativa; como todos momentos de lentificação, são, igualmente, desterritorializantes e fecundos para novas reterritorializações criativas.
Nesta percepção é que Deleuze e Negri situaram a potência inovadora imanentes às vivências da velhice e da própria doença.
Somos movimento e nos movimentos na harmonia e divergência dos paradoxos dialéticos: palavra e silêncio, ação e reflexão, intensidade e lentificação...
A diferença com a dialética hegeliana é que ela vê as contradições gerando uma síntese; e na impermanência de Heráclito e dos filósofos da diferença emerge das contradições o novo inusitado, o singular e as multiplicidades, o devir...
Nômades e eremitas... Na estrada, ou na caverna... Se alisamos os espaços do existir surge uma encruzilhada e na encruzilhada , um redemoinho... No redemoinho, o novo, um criativo e inventivo devir...
Vivemos: viver é etecetera... Plenificamos nossa vida , se conseguimos a diversodade, não totalizante, de um modo de existir com possa interiorizar-se e estar só, lentificado; com, também, exteriorizar-se e estar com... Com o outro, intensificando nos entres das relações.
Viver é dobrar, redobrar e desdobrar-se...
Sem silêncio, nunca nos conectamos com os desejos e sonhos que sussurram na nossa vida íntima...
Sem palavra, nunca acessamos nossos desejos e sonhos que emergem dos agenciados que nascem da vida de relações . do socius, do outro que me afeta e dos afetos que provoco no outro...
O  silêncio fala,  a palavra escuta...
O silêncio mergulha, a palavra voa...
Na fala e na escuta, no mergulho e no voo, podemos repetir e reproduzir, se não nos possibilitamos a profundidade da própria pele.
Cantemos, meditemos... Gritemos, calemos... porém, com a pele, visceralmente... Não com as vísceras orgânicas do nosso corpo cheio; na visceralidade poética de quem canta e medita, grita e cala com o nosso corpo de amar, sonhar, estradear e borboletear... Com nossa alma sem chão, andarilha, pois na lentidão ou na intensidade, somos dados a experienciar que: "só quem suporta em si o caos e o frenesi é capaz de se engravidar de uma estrela bailarina."...

8 comentários:

Augusta Carlos disse...

"só quem suporta em si o caos e o frenesi é capaz de se engravidar de uma estrela bailarina."...
É...incontestável verdade. Outra é a de que nossa passagem fugaz por esta terra só tem valor real:" a amizade,o amor compartido, o bem incentivado e realizado, a felicidade proporcionada, os sonhos vividos, a paz construída, tesouros acumulados nos céus da eternidade...os atropelos e cansaço, nada serão comparados com a eternidade...."(Franca Ingrassia)
Querido seu texto me reportou a estas falas ouvidas tantas vezes na velocidade a juventude em erupção cheia de inconformismo que perdeu a aceleração aos poucos, na alegria da mestra que apenas ponderava e deixava correr rumo ao devir fraternidade.
Com todo amor fraterno da amizade
Augusta

CLARA disse...

Dr Jorge,

Quem tem amigos nunca fica desabrigado.
Abraço de amigo é casinha em dia de chuva.
Tem abraço que é feito de palha
e faz um barulhinho tão bom quando o vento bate...
E tem aquele abraço feito de tijolo e concreto
que te envolve firme e nunca deixa a tempestae te levar.
Bom mesmo é saber que quando nosso teto desaba a gente pode morar nos braços de amigos... braços abrigos.
Obrigada pelas palavras de carinho e alento que me fazem acreditar de que ainda há um caminho a ser trilhado.
sempre muito grata
clara

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Augusta, me encanta e me emociona que algo que fiz lhe lembre alguém que pra mim ainda é um mito... Lhe proponho, vamos organizar algumas lembranças da nossa amada benfeitora?
Seria algo bom para o mundo e para mundo que queremos construir...
Abraços com ternura e , hoje, com muita saudade, Jorge

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Clara, sempre nos terá companheiros,amigos da jornada... Jornada clara que anuncia um novo dia;
Abraços com carinho, Jorge

CLARA disse...

Postei no meu blog mas dedico a você especialmente por que traduz tudo que você me disse hoje:

''Poderíamos, com mais frequência,
tentar deixar a vida em paz para desembrulhar suas flores no tempo dela,
no tempo delas, e, em alguns momentos,
nem desembrulhar.
Apesar da nossa cuidadosa aposta nas sementes,
algumas simplesmente não vingam e isso não significa que a vida,
por algum motivo, está se vingando de nós.
Há muito mais jardim para ser desembrulhado.
( . . . )
É fácil lidar com isso? Não é não.
Nem um pouco.
Esse é um dos capítulos mais difíceis do livro-texto e do caderno de exercícios:
o aprendizado do respeito ao sábio tempo das coisas.''
**Ana Jácomo**

Tânia Marques disse...

Quase Nada
Zeca Baleiro
Composição: Zeca Baleiro e Alice Ruiz

De você sei quase nada
Pra onde vai ou porque veio
Nem mesmo sei
Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho

Será um atalho
Ou um desvio
Um rio raso
Um passo em falso
Um prato fundo
Pra toda fome
Que há no mundo

Noite alta que revele
Um passeio pela pele
Dia claro madrugada
De nós dois não sei mais nada

De você sei quase nada
Pra onde vai ou porque veio
Nem mesmo sei

Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho

Será um atalho
Ou um desvio
Um rio raso
Um passo em falso

Um prato fundo
Pra toda fome
Que há no mundo

Se tudo passa como se explica
O amor que fica nessa parada
Amor que chega sem dar aviso
Não é preciso saber mais nada

Beijos em teu coração. Tânia

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Clara, belo poema... Cada caminho se desenha na escultura que moldando com nossas mãos: mão de cuidar, de semear, de sonhar e de amar..
Abraços com ternura, Jorge

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, o Zeca tem uma sensibilidade fina para definir as e moções da vida que se desdobra, no caminho... Vamos pela estrada , sabendo quase nada...
Abraços com ternura, Jorge