Jorge Bichuetti
Não se nega que o número e a gravidade dos transtornos mentais vem aumentando, e se expandindo num carácter epidémico... Não sendo o sofrimento mental um processo que se espalha por contágio, fica a pergunta: o que ocorre no nosso modo de viver que vem nos tornando tão vulneráveis?... ou ainda, que socius é este que nos agride mais e com maior virulência e nos propicia um considerável diminuição dos fatores de produção de vida, potente e alegre, que nos fortaleceria ante as dificuldades do caminho?...
Por que sofremos?... Por que sofremos, cristalizando sintomas e funcionamentos que nos limitam e nos inibem na nossa capacidade de viver?...
Estas questões não são tão simples como nos parece simples a explicação do aumento de dengue e de problemas de pele e respiratórios: água estagnada, desequilíbrio ecológico e poluição...A natureza se faz mais visível do que as entranhas do nosso modo de viver e existir...
Começamos refletindo sobre algo bem evidente: se o individualismo é maior e se as redes de sociabilidade solidárias e generosas se encontram fragilizadas ou diluídas, o homem carrega o calvário do existir, com seus desenganos e desilusões, problemas e limites, tendo que contar e manusear diretamente seu modo de vida.
Daí, tentaremos ver e analisar as fragilidades, inibições, bloqueios e vulnerabilidades próprias do nosso modo de vida hegemónico.
Vulnerabilidade 1. Somos egóicos. Centramos nossa vida na identidade de um ego, subjetivado na triangulação edípica e se constituindo como autoreprodutor, identidade fixa e rígida, num funcionamento movido pela falta e de negação das potências...
Vulnerabilidade 2. Somos nossos papéis. Cristalizamos nosso modo de ser nos papéis que introjetamos e nos que nos são depositados pelas projeções do outro e do mundo... Assim, vivemos com uma pauta de conduta e com referências conceituais restritas e restritivas...
Vulnerabilidade 3. Somos racionais. A racionalidade técnico-instrumental domina o universo da vida mental e social, impondo um existir que gira nos redemoinhos do racionalismo, do pragmatismo, da sensorialidade e do imediatismo... Nos coíbe e nos inibe as potências da arte, do sonho, da magia, do místico, da intuição e das percepções micro; nos formatando num modo de vida de soberania da lucidez se obriedade racional e mercantil, com alienação da subjetividade móvel e intensiva dos projetos irracionais( surreais )...
Vulnerabilidade 4. Somos geridos pela lógica da culpa e do ressentimento. De forma, que vivenciamos a vida como um campo narcísico e onipotente de valores morais punitivos e condenatórios...
Vulnerabilidade 5. Somos a maturidade. e uma maturidade , cinzenta e árida, dada pelo rigidez e coerência, que nos subtrai do mundo de potência do brincar, do sonhar, e do amar...
Vulnerabilidade 6. Somos conservadores. Condicionados à evitação do novo; e, deste modo, nos repetimos, longe da diferença que excluída e mortificada, e alheios às experimentações que nos permitiria um acercamento dos territórios do devir... Institucionalizado e interlocutores do instituído, tendemos a funcionar nos abrigando nos pólos paranóicos e depressivos...
Vulnerabilidade 7. Somos mercantis, acumuladores... Norteamos nosso modo de existir ouvindo o mercado e nunca escutando nossos desejos e sonhos... Nem a potência da cumplicidade, da partilha e da solidariedade..
Vulnerabilidade 8. Somos servis e submissos. Corpos domesticados, com a exclusão do devir guerreiro, do devir animal e do devir insurgente... Desaprendemos a arte de guerrear...
Vulnerabilidade 9. Somos na vitória, e negamos o humano demasiado humano das nossas fragilidades, limitações e, assim, nos sentimos fracassados, a própria desvalia e a impotência nas debilidades do humano e nas inevitáveis quedas , perdas e derrotas...
Vulnerabilidade 10. Somos o desamor...Um corpo que fálico, que evita a ternura, a suavidade, a compaixão, o cuidado mútuo e o próprio amor...
Somos vulneráveis... Todavia, esta vulnerabilidade é social, geográfica e histórica...
Há um mundo de potência e saúde, alegria, serenidade e paz.. Na experimentação, nos bons encontros e nas paixões alegres, na impermanência e na flexibilização, no ser metamorfoseante; na vida da arte e na arte de brincar, sonhar e amar...
Há potência e vida na vida que se assume um perambular errante, cheia de sonhos, mas com a possibilidade da queda, da crise e do humano - humano, não o humano robotizado nos fibras indomáveis dos atos repetitivos...
Há vida... Exploremos nossas potências, nossa singularidade e nossa multiplicidade, sejamos uma lágrima e um riso, uma paixão e uma poesia, voos e quedas... porém, sejamos no caminho. Estradeando, encontramos a vida e a vida por se mesmo se plenifica...
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4 comentários:
Como sua fiel seguidora, o que não poderia ser diferente Dr. Jorge, somos responsáveis não só em nome do que devemos preservar, esse tesouro que é a VIDA, e também devemos zelar pela não poluição das relações que temos com o próximo. Somos sim responsáveis por isso. A menos que pessoas que são desonestas e não queiram saber de nossos sentimentos a nível de saúde mental, somos obrigados a preservar a amizade. Uma obrigação sadia e inteligente. Não somos sozinhos no mundo. Devemos aceitar as diferenças. A criatividade alheia, melhor ou inferior, de cada um. Devemos dar valor a um ponto gráfico que alguém lança em algum lugar como fator de crescimento. Se pensarmos apenas em encontrarmos "pronto" um amigo, sem defeitos, um companheiro sem vícios, etc, não estaríamos encarando os fatos da vida. Preservar é amar a si mesmo e nossas relações com o universo mantendo sempre limpo e puro o quanto possível. A impureza está na agressividade da palavra. A impureza está na falsidade de um sorriso, no racismo, no deixa prá o sofrimento alheio. Se conseguirmos preservar a amizade e lutar por ela, desde que isso não nos adoeça e não nos agrida na tentativa desta mesma preservação, será sempre valoroso e surtirão resultados maravilhosos tais como um equilíbrio sadio. Abraço e beijinho amigo. Tenha uma continuidade proveitosa desta quinta-feira. LuGoyaZ
Lu, tua reflexão me afeta com a ternura de ter visto, vivido no cuidado, tudo isso que você fala maravilhosamente como uma efetiva realidade: ninguém eereergue ou se levanta ou inventa saída; sem a compreensão e a o apoio. Um devir Simeão: ternura, compreensão, apoio e amor... Abraços com imensa ternura; Jorge
Jorge
Muito triste isso... que a vida afunde tanto as pessoas. Outro dia ainda falávamos, uma amiga e eu sobre mudanças de paradigmas, sobre rupturas com a matrix e como não adianta as mudanças de paradigmas se não mudarmos os paradigmas do coração :-)
beijo meu amigo
tu me fazes pensar...
Anne
Anne, necessitamos mudar a vida( Rimbaud).... Assim, transformamos o socius com novas vidas que o irá iluminará.
Abraços, Jorge
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