domingo, 27 de março de 2011

BONS ENCONTROS: O ANARQUISMO E O SURREALISMO - UMA ODE À POESIA...

Unir o transformar o mundo de Marx e o mudar a vida de Rimbaud: coquetel molotov... rosas de plásticos com perfumes lisérgicos... um jeito de viver entre o sonho e a liberdade, a luta e a poesia... Aqui, hoje, conosco Benjamin Péret...

                 POETA, ISTO É, REVOLUCIONÁRIO
                                                           Benjamin Péret

Se se procura o significado original da poesia, hoje dissimulada sob os mil ouropéis da sociedade,constata-se que ela é o verdadeiro sopro do homem, a fonte de todo conhecimento e esse conhecimento sob o seu aspecto mais imaculado.Nela se condensa toda a vida espiritual da humanidadedeste que tomou consciência da sua natureza; nela agora palpitam suas mais elevadas criações e, terra para sempre fecunda, conserva perpetuamente em reserva os cristais incolores e as colheitas do amanhã. Divendade tutelar de mil faces, aqui denominada amor, lá liberdade, alhures ciência. Ela permanece onipotente, ferve na narrativa mítica do esquimó,eclode na carta de amor, metralha o pelotão que fuzila o operário exalando um último suspiro de revoluão social, portanto, de liberdade, chispa na descoberta do cientista, desvanece, lívida, até nasmais estúpidas produções que a invocam, e sua lembrança, louvor que gostaria de ser fúnebre, trespassa ainda as palavras mumificadas do padre, seu assassino, a quem o fiel escuta, procurando-a cegoe surdo, no túmulo do dogma onde ela não é mais do que falacioso pó.
Seus inumeráveis detratores, verdadeiros e falsos padres, mais hipócritas do que os sacerdotes de todas as Igrejas, falsas testemunhas de todos os tempos, acusam-na de ser um meio de evasão, de fuga diante da realidade, como se ela não fosse a própria realidade, sua essência e sua exaltação.Todavia, incapazes de conceber a realidade no seu conjunto e suas complexas relações, eles só a querem ver sob o seu aspecto mais imediato e mais sórdido. Só percebem o adultério sem nunca experimentar o amor, o avião de bombardeio sem se lembrar de Ícaro, o romance de aventuras sem compreender a aspiração poética permanente, elementar e profunda que ele tem a vã ambição de satisfazer.. Desprezam o sonho em proveito de sua realidade como se o sonho não fosse um de seus aspectos, e o mais emocionante; exaltam a ação em detrimento da meditação como se a primeira sem a segunda não fosse tão insignificante quanto todo esporte. Outrara, eles opunham o espírito à matéria,seu deus ao hoem; hoje, defendem a matéria contra o espírito.De fato, é contra a intuição que se lançam, em proveito da razão, sem se lebrarem de onde brota essa razão.
Os inimigos da poesia sempre tiveram a obsessão de submetê-la aos seus fins imediatos, esmagá-la sob seu deus ou, agora, acorrentá-la à nobreza morena ou "vermelha" - vermelha-escura de sangue seco - ainda mais sagrenta que a antiga.Para eles, a vida e a cultura se resumem em útil e inútil, estando subentendido que o útil assume a forma de uma picareta manipulada em seu benefício.Para eles, a poesia é luxo de rico, aristocrata ou banqueiro, e se ela quiser tornar-se "útil" á massa, deve se resignar ao destino das artes "aplicadas", "decorativas", "domésticas".
Instintivamente, sentem, contudo, que ela é o ponto de apoio exigido por Arquimedes, e temem que, levantado, o mundo recaia sobre suas cabeças. Daí ressulta a ambição de aviltá-la, retirar-lhe todo eficácia, todo o valor de exaltação para lhe dar o papel hipocritamente consolador de uma irmã de caridade.
Mas o poeta não deve alimentar em outrem uma ilusória esperança humana ou celeste, nem desarmar os espíritos insuflando-lhes uma confiança num pai ou chefe contra quem toda crítica se torna sacrílega.. Muito pelo contrário,cabe a ele pronunciar  as palavras sempre sacrílegas e as blasfêmias permanentes. O poeta deve, antes de mais nada, tomar consciêncida da sua natureza e de seu lugar no mundo. Inventor para quem a descoberta não é senão um meio para uma nova descoberta., deve combater sem trégua os deuses paralisantes encarniçados em manter o homem em servidão em relação às forças sociais e à divindade que se completam mutuamente.Ele será, portanto, revolucionário, mas não daqueles que se opõem ao tirano de hoje,, nefasto aos seus olhos, porque lhe prejudica os seus interesses, para vangloriar a excelência do opressor de amanhã do qual já se construíram serviçais. Não, oooeta luta contra toda opressão de seu pensamento pelos dogmas religiosos, filosóficos ou sociais. Ele combate para que homem alcance um conhecimento perfectível de si mesmo e do universo.Disso não se decorre que deseje colocar a poesia a serviço de uma ação política, mesmo revolucionária. Todavia, sua qualidade de poeta faz dele um revolucionário que deve combater em todos os terrenos: o da poesia, pelos meios próprios a esta, e o da ação social, sem nunca confundir os dois campos de ação sob a pena de restabelecer a confusão que ele busca dissipar e, em seguida deixar de ser poeta, isto é, revolucionário.


                                  Piscada
(Benjamin Peret - Editions Surrealistes-Paris: 1936)

Bandos de papagaios atravessam minha cabeça
Quando te vejo de perfil
E o céu de banha estria-se de relâmpagos azuis
Que traçam teu nome em todos os sentidos
Rosa penteada de tribo negra perdida numa escada
Onde os seios agudos das mulheres olham pelos olhos dos homens
Hoje eu olho pelos teus cabelos
Rosa de opala da manhã
E desperto pelos teus olhos
Rosa de armadura
E penso pelos teus seios de explosão
Rosa de lagoa esverdeada pelas rãs
E durmo no teu umbigo de mar Caspio
Rosa de rosa do mato durante a greve geral
E me perco entre teus ombros de via lactea fecundada por cometas
Rosa de jasmim na noite da lavagem dos linhos
Rosa de casa assombrada
Rosa de floresta negra inundada de seios azuis e verdes
Rosa de papagaio-de-papel sobre um terreno baldio onde brigam crianças
Rosa de fumaça de charuto
Rosa de espuma de mar feita cristal
Rosa

Nenhum comentário: