DIÁRIO DE BORDO: SOBRE O ABISMO, UMA PONTE...

                                                           Jorge Bichuetti

Madrugada. Noite escura. Silenciosa. Sombras, ruídos... Nenhuma voz. Os pássaros no quintal já piam... Longe, um alarme. Uma sirene, uma freada... Nenhum outro som mortal...
Contrariando minha escrita, os pássaros começam a alvorada... A Lua dorme. Lua adormecida, de sonhos e meiguices...
O jornal que não chega, obriga-me a manter os olhos fixos no veredito: não há ficha limpa... O STF decretou... Lama, lamaçal...
O homem se realiza, superando-se... Uma corda no ar... Caminhamos entre o animal e o além-do-homem..
Embaixo, um abismo...
Toda mudança se dá num salto sobre um abismo.
Já que só nos sonhos e na arte temos asas, parece imprescendível que aprendamos aprudência de construir, tecer, arquitetar pontes. Pontes sobre os abismos...
Inegavelmente, sabemos que se nos movemos na lógica dos sonhose da arte, voamos... Voamos sobre os abismose alcançamos os territórios da aurora, os caminhos de um novo dia.
Entretanto, são tantos os abismos que urge a invenção e a produção de pontes... Pontes que nos levem do hoje para o amanhã, da lágrima para o canto alegre dos risos, das trevas de amargura e angústia para a luz da serenidade e da paz...
Onde andam as nossas pontes?...
Há homens-pontes... Há livros-pontes... Há canções-pontes... Há coletivos-pontes... Há orações e mandingas-pontes...
Uma rosa vermelha e uma vela acesa numa encruzilhada são regursos da magia para que o homem se interiorize e descubra as pontes que contém em si mesmo.
Temos pontes... Somos pontes...
Quando vivenciamos um bom encontro, criamos um entre onde abundam pontes e asas... Potências de vida que nos impulsionam ao grande salto sobre o abismo.
Quando organizamos uma grupalidade, um coletivo e nos colocamos no caminho da luta, artuculamos forçase potências que negame superam os perigos do abismo.
Os abismos se multiplicam... Se revelam travestidos, elegantes e sorridentes, mantendo oculto o poço fundo peçonhento...
Corrupção, individualismo narcísico, alucinógenos passionais e paixões alucinógenas, onipotência, consumismo, crak e claques... Violência, guerra, aquecimento global, camada de ozônio deteriorada, simbioses, medos e covardias, imediatismo, impulsividade, cientificismos, seitas repressivas e libertinagens sem o outro... Fome e miséria... Vazio e falta de utopia... Uma lista sem fim: são muitose diversos os abismos.
Assim, não tergiversemos: construamos nossas pontes... E sobre elas, andemos... buscando o sol de um novo dia.
A ponte é sempre uma afirmação da vida, da liberdade e do caminho... Do viver, sonhando, para ir, livremente, além... Um passo adiante... Um passo que nos distancie da solidãoe das trevas, das ilusões destrutivas e dos cantos da sereia...
O outro que nos afeta com sua dor e sua lágrima, mobiliza nossa solidariedade e nossa generosidade... Sendo, deste modo, sempre uma fonte de potência que nos permite devir-se ponte.
A natureza com seu esplendor é um convite da vida para que nos concetemos com a beleza que irradiando paz e serenidade nos possibilita emergir ; sair para a vida; pois, quando submersos nos debilitamos para a ação da caminhada.
Um salto sobre os abismos exige do homeme da vida coragem, prudência, ousadia e utopia...
Vivamos, assim, na alegria de quem segue sobre os abismos com a força e a potência de ser e viver, no hoje, a valentia e a alegria que explodirão contagiantes e reinarão na pele do porvir, nas florescências de um novo dia...