sábado, 16 de julho de 2011

BONS ENCONTROS: CUIDAR É AMAR...

                 O cuidado essencial
                                     Leonardo Boff

Consoante um mito romano antigo, na formação do ser humano entraram em ação dois deuses primordiais a Terra dando-lhe o corpo e beleza e o Céu conferindo-lhe vida e energia. Mas para que o ser humano pudesse viver como humano e mantivesse Ceu e Terra unidos nele, deveria ser acompanhado pelo Cuidado, por todo o tempo de sua vida.
É fácil de se entender por que no ser humano há Ceu e Terra, espírito e matéria, transcendência e imanência. Difícil é se entender o por quê do cuidado. A meditação filosófica tirou isso a limpo. Precisamos do cuidado porque sem ele o ser humano não vive nem sobrevive. Um recém nascido deixado a si mesmo, após poucas horas, morre. Se não cuidarmos de nossa saúde, de nossa formação permanente e de nossa espiritualidade, lentamente, vamos degenerando, adoecemos, nos desatualizamos e embrutecemos. O cuidado é a maior força que se opõe à lei suprema da entropia, vale dizer, do desgaste natural das coisas. Tudo o que cuidamos dura muito mais, desde a camisa que usamos até as mãos que escrevem este texto.
O cuidado é uma relação amorosa para com a realidade, pois pelo cuidado nos envolvemos com ela e mostramos nosso interesse e até preocupação com ela. Mas, o cuidado é mais que tudo isso. Ele é a atitude que antecede a todos os demais atos e os possibilita, seja os atos da vontade seja os da inteligência. Eles somente são humanos se nascerem do cuidado e são acompanhados pelo cuidado. Então são construtivos e não irresponsáveis e deletérios. É por essa razão que filósofos como Martin Heidegger consideram o cuidado a verdadeira essência do humano. Ele naturalmente é impregnado de cuidado essencial.
Por causa desta essencialidade, o cuidado fornece a base real da sociedade, da ética, da política e da ecologia. É base da sociedade que, segundo Aristóteles, é o espaço público organizado onde podemos viver sem medo. Ora, onde há cuidado, não existe medo mas paz. A ética do cuidado funda o consenso mímino entre os humanos, que garante a sobrevivência de todos e da natureza. A política imbuida de ética significa cuidado para com o bem estar do povo, mais do que administração da economia e gerenciamento de instituições. Onde viceja o cuidado a natureza é preservada e cada ser respeitado, pois tudo o que existe e vive merece continuar a existir e a viver..
Hoje há uma carência incomensurável de cuidado. Por isso o número de pobres cresce no mundo, as crianças são condenadas a viver na rua, os idosos são abandonados, milhões de pessoas morrem antes do tempo e Gaia, nossa Mãe Terra é sistematicamente depredada colocando em risco nosso futuro comum.
Só o cuidado, transformado em paradigma de compreensão e de atuação e articulado com a solidariedade e a responsabilidade poderá salvar a vida, a espécie humana e o planeta Terra. Sem ele não há paz nem alegria de viver.


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