domingo, 6 de março de 2011

PROCESSOS INSTITUINTES: O PROJETO GRIÔ DA CHAPADA DIAMANTINA / BA: EDUCAÇÃO POPULAR, RESGATE CULTURAL E ALEGRIA

MÁRCIO CAIRES : O VELHO GRIÔ
                        PROJETO DE EDUCAÇÃOE CULTURA COM O RESGATE DO VELHO QUE NÔMADE IA PELAS CASAS CONTANDO HISTÓRIAS...

LENÇÓIS - Crianças e adolescentes das escolas municipais de Lençóis, município de 9 mil habitantes, a 410 quilômetros de Salvador, ficam fascinados quando o Velho Griô, paletó e chapéu enfeitados de fitas, chega com seu violão, cantando versos e repetindo histórias que aprendeu com mestres da cultura popular da Chapada Diamantina.
Tudo cultura oral. "Embaixo daquela árvore/onde o Velho Griô nasceu/eu falo com certeza/que quem chamou ele fui eu"- improvisa a cantadora Pedrina Pereira Conceição, pandeiro na mão, dançando na roda de samba com o parceiro Emídio de Jesus Cardoso, tocador de zabumba, de profissão lavrador, entre meninos e meninas do povoado de Tanquinho.
"Eu sou desse jeito: o que guardo na memória sai na hora", orgulha-se Pedrina, uma mulher pobre e analfabeta, de 64 anos, que traz na ponta na língua toda a sabedoria que Márcio Caires incorpora sob o disfarce de Griô, figura importada dos "sertões" da África, onde um velho costuma percorrer as aldeias para transmitir a tradição às novas gerações.
Roda de samba, o cenário do espetáculo, é maneira de dizer, pois o que os artistas dançam e cantam é batuque, chula e baião - ritmos da terra e do tempo dos escravos. Os descendentes de negros e índios - 92% dos moradores - são maioria nessa cidade de sobrados coloniais, que no século 19 era sinônimo de fausto e riqueza na Bahia.
Patrimônio histórico nacional e portal de uma das regiões mais bonitas do País - as serras, rios, cachoeiras e grutas da Chapada Diamantina -, Lençóis investiu no turismo quando o governo proibiu, 20 anos atrás, o garimpo que contaminava as águas. Os garimpeiros esqueceram então as dragas e as bateias da serra para trabalhar em hotéis, lojas e restaurantes.
Quem não conseguiu emprego sobrevive com uma renda mensal inferior a R$ 70,00. Mães lavadeiras e avós aposentadas sustentam famílias numerosas que, em muitos casos, somam de 15 a 20 pessoas - quatro ou cinco dormindo num quarto. Não há menores infratores, mas, em meio a tanta pobreza, as crianças começaram a pedir dinheiro e comida nas ruas.
Oficinas - Aí veio a novidade. A Associação Grãos de Luz, fundada como entidade filantrópica para distribuir alimentos às famílias mais pobres, criou o projeto Grãos de Luz e Griô, organização não-governamental (ONG) que substituiu o assistencialismo por oficinas educativas, culturais e ecológicas. Artesanato, música e dança atraíram crianças e adolescentes que, fora do horário escolar, passaram a contar com atividades alternativas e, principalmente, com uma perspectiva de futuro.
A experiência deu tão certo que, apenas quatro anos depois, o projeto ganhou o primeiro lugar, entre 1.834 concorrentes, no Prêmio Itaú-Unicef, anunciado dia 1.º em São Paulo. Mais do que a importância de R$ 100 mil, um dinheirão para uma comunidade tão necessitada, a premiação encheu Lençóis de orgulho, porque significa o reconhecimento de um trabalho que envolve e entusiasma seus habitantes.
"Não sabemos ainda o que vamos fazer com esses recursos, pois são vocês - meninos e meninas, educadores, funcionários e cantadores dos grupos populares - que vão decidir como se deve aplicar os R$ 100 mil", avisou Márcio Caires, falando agora como presidente da associação, numa roda de adolescentes.
Anúncio - De volta a Lençóis, o Velho Griô não se cansou de repetir para conterrâneos maravilhados como foi o suspense do anúncio do prêmio, numa cerimônia apresentada pela cantora Daniela Mercury e pela dupla Laranjinha e Acerola, do seriado Cidade dos Homens, na presença do presidente da Fundação Itaú Social, Roberto Egydio Setubal, e da representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Reiko Niimi.
"Cadê Lilian?", perguntou uma menina das oficinas de retalhos e de papel reciclado, quando o presidente da associação acabou de contar como tinha sido a festa do Prêmio Itaú-Unicef para1.300 convidados. Lilian Pacheco, natural de Jacobina, na Chapada Diamantina - onde nasceu também Márcio Caires, da cidade de Dom Basílio -, é a coordenadora do projeto.
Analista de sistemas, Lilian engavetou o diploma para se dedicar ao Grãos de Luz e Griô. Casada com Márcio, que fez Administração mas também não exerce a profissão, costuma sair de "lavadeira" ao lado do marido, o Velho Griô, em excursões pelas escolas municipais. Os dois aprenderam teatro amador.
Aliás, todos são griôs na equipe de coordenação, da qual participam a arte-educadora Suzy Brasil e o administrador Félix Oliveira. Contratadas para os serviços do centro, Aline Viana, Delza Bispo e Raimunda Moreira agora são monitoras. Quem paga os salários é a ABC Trust, de Londres, da rede de solidariedade que sustenta o projeto.
Outros parceiros são o grupo Amigos da Suíça, a Secretaria Municipal de Educação, o Colégio CERPV, o Hotel Canto das Águas e as agências de turismo Venturas&Aventuras e Freeway Adventures, que bancam o aluguel da sede, o material didático e outras despesas. Sem falar em mais uma dúzia de restaurantes, armazéns, lojas e pousadas, que contribuem com doações ou compram peças de artesanato dos meninos.
Resgate - "Nossa parceria nasceu quando surgiu o Griô para resgatar a cultura da Chapada Diamantina", conta a secretária de Educação, Dhebora Dourado. Dos 2.011 alunos da rede municipal, 700 participam do projeto, graças ao trabalho de 40 professores formados pela equipe da Grãos de Luz, em convênio com a prefeitura.
Arte, brincadeiras, danças e cantigas, tudo na base de uma roda descontraída, mas disciplinada, ajudam a preservar a tradição de Lençóis, resgatando com pesquisas e relatos orais a história e os costumes de seu povo. Os alunos participam de oficinas em três estágios - iniciante, técnico e profissionalizante - conforme a idade, de 7 a 22 anos. Recebem bolsas de R$ 30,00, R$ 50,00 e R$ 70,00 e, no caso dos mais velhos, dividem o dinheiro da produção.
"Somando tudo, ganho uns R$ 280,00 por mês", calcula Vanderléia Queiroz Santos, de 22 anos, que vive com o marido, um filho de 6 anos, um irmão e um sobrinho. A remuneração depende das encomendas nas oficinas de retalhos e de papel reciclado, cujo movimento alcança uma renda média de R$ 1.500,00 por mês. Os pequenos artesãos fazem panôs, colchas, cartões, cardápios... ou o que o freguês quiser.
Os adolescentes freqüentam as oficinas pela manhã e os meninos, à tarde, alternando o horário do Grãos de Luz com o da escola. São 77 alunos selecionados em 40 famílias das mais pobres de Lençóis, onde é grande a incidência de mães adolescentes e pais desempregados. Em muitos casos, é a mulher quem sustenta a filharada, trabalhando como doméstica e lavadeira.
Um concurso sobre o tema Relação de Gêneros, que o projeto lançou este ano para os professores municipais, descobriu que nem sempre o homem trabalha na roça e a mulher cuida da casa, embora isso ocorra na maioria das vezes.
Professores e seus alunos entrevistaram uma mulher garimpeira (o garimpo artesanal continua nas serras) e um homem que lava roupa.
Rosa e azul - A pesquisa mergulhou no dia-a-dia da escola para saber, por exemplo, por que os meninos comiam em pratos azuis e as meninas em pratos cor-de-rosa. Ou por que se dividem, vítimas de preconceitos, na hora do recreio. "Menina que brinca de bola não deixa de ser menina", escreveu Marcos Vinícius, de 10 anos.
No concurso do ano passado, o tema foi a água, elemento importantíssimo na Chapada Diamantina, onde nascem quatro dos principais rios que atravessam o sertão rumo ao litoral. "Choveu na cabeceira, o rio já tem água nova", anunciou a pernambucana Suzy Brasil na manhã do dia 4 aos meninos sempre atentos ao nível dos Rios Lençóis e São José, que cruzam a cidade.
Dauan Santos Silva, de 10 anos, passa as horas livres ajudando a mãe, Janete, numa cachoeira para onde as lavadeiras carregam suas trouxas de roupa pela manhã. Neto de pai-de-santo, o menino participa de todas as atividades culturais do Grãos de Luz. Ele gosta de dançar jarê - uma variação do candomblé que Pedrina Conceição cultiva em seu terreiro - e faz planos para o futuro.
"Quero ser tocador ou cantor, mas também sei pintar", disse Dauan, enquanto desenhava um helicóptero, uma das novidades que o turismo levou para Lençóis. O projeto incentiva as habilidades dos alunos de suas oficinas e dá assistência a outros grupos, como a turma de hip-hop que o jovem Marcelo dos Santos Silva, neto de Mestre Cascudo, lutador de capoeira, organizou na cidade.
O projeto Grãos de Luz e Griô vai abrindo uma perspectiva de futuro para os meninos e adolescentes. A construção da identidade, com base numa educação que leva em conta as raízes, ajuda essa nova geração a manter o vínculo com a terra e sua gente. "Nesse contexto, nosso projeto pedagógico valoriza o papel da ecologia e resgata a cultura popular da região", observa Lilian Pacheco.
"A convivência com os companheiros da oficina de reciclagem me fez outra pessoa", diz Delza Bispo, de 24 anos, a moça que chegou como aprendiz, passou pela cozinha e acabou se tornando educadora. "Descobri a beleza da mulher negra, sou mais feliz e mais segura", acrescenta ela, ao avaliar os resultados de nove anos no projeto. Delza era babá em 1995, quando se inscreveu.
Sonhos - Luzinete Souza Rodrigues, de 18 anos, que tem uma família de 14 pessoas - ela, os pais, nove irmãos e dois primos -, ainda não sabe o que fará da vida, mas tem certeza de que não vai parar quando se formar professora. "Estou cursando o 3.º ano do magistério e, por enquanto, minha preocupação é ajudar em casa." Seu sonho é fundar uma cooperativa.
Na oficina de retalhos, Janda Rocha, de 19 anos, pretende ser estilista.
"Aprendi muito companheirismo, compartilhando as coisas com os colegas", anuncia a moça, depois de 11 anos no Grãos de Luz. Como não tem dinheiro para estudar, vai tentar uma faculdade pública em Seabra ou em Feira de Santana. Janda recebe uma bolsa de R$ 70,00 e mais uma renda de R$ 120,00 pela produção. Ajuda o pai, vendedor de caldo de cana, a sustentar a família de dez pessoas.
As mulheres predominam nas oficinas do projeto e entre os professores dos cursos de formação. "Damos prioridade à mulher, porque ela tem menos perspectiva de futuro aqui no interior", justifica Lílian Pacheco, lembrando a luta de mães solteiras, viúvas e separadas que são obrigadas a criar os filhos sozinhas. Um exemplo é Izabete Regina dos Santos, "mãe e pai de três filhos", desde que se separou do marido "Não estou nem acreditando nesse prêmio do Itaú-Unicef", disse a professora municipal Clésia Diamante, salário de R$ 240,00, comemorando a vitória do Grãos de Luz. A secretária da Associação dos Professores Municipais de Lençóis, Aída Meire de Araújo Neto, atribui ao trabalho do projeto a valorização de sua categoria. 

 O que é o Griô? GRIÔ é uma palavra abrasileirada pelo ponto de cultura Grãos de Luz e Griô, de Lençóis, Bahia. Vem de griot, da língua francesa, que traduz a palavra Dieli (Jéli ou Djeli), que significa o sangue que circula, na língua bamanan habitante do território do antigo império Mali que hoje está dividido entre varios países do noroeste da África. Na tradição oral do noroeste da ÁFRICA, o griô é um(a) caminhante, cantador(a), poeta, contador(a) de histórias, genealogista, artista, comunicador(a) tradicional, mediador(a) político(a) da comunidade. Ele(a) é o sangue que circula os saberes e histórias, mitos, lutas e glórias de seu povo, dando vida à rede de transmissão oral de sua região e país.

4 comentários:

Chiquinha Menduina disse...

Querido poeta, uma verdadeira aula tive aqui( vou terminar sendo sua pasciente) rsrs, amo vir aqui e leu coisas impostantes pra vida em que vivemos, obrigada querido pelas visitas, beijos

Menduiña

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

MENDUIÑA, SUA POESIA ME ENCANTA... NÃO SEI EXPLICAR, ME FAZ VER MEUS SENTIMENTOS E PAIXÕES COM SERENIDADE. SIGAMOS JUNTOS, ABRAÇOS, JORGE BICHUETTI

José Caui disse...

Jorge, hj antes de ir trabalhar, é o que estou fazendo a 30 dias sem parar, assisti o globo rural e vi uma reprise da historia de dona Izabel (zabé) que morava em baixo das rochas no interior da paraíba, aprendeu a tocar pífano e a partir dai criou-se uma escola e ensinar as crianças para resgatar a cultura, ela viaja pelo Brasil apresentando com sua banda de pífanos. Abaixo coloco os links do educador Tião ROcha de Araçuaí MG que busca educar com os recursos e o que tem representação em suas vidas. Abraço
OS LINKS ABAIXO FORAM PROGRAMAS EXIBIDOS NO GLOBO RURAL E DEMONSTRAM COMO A EDUCAÇÃO PODE ALCANÇAR SEUS OBJETIVOS COM FÓRMULAS SIMPLES E ALEGRES.


Domingo, 11/10/2009
Em Araçuaí, Minas Gerais, o educador Tião Rocha provoca mudanças na vida do povo da roça.

http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1139414-7823-UMA+SALA+DE+AULA+A+SOMBRA+DE+UMA+ARVORE,00.html


Domingo, 11/10/2009
Tião Rocha realizou trabalho de educação na zona rural, usando os talentos e a sabedoria do povo da roça.
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1139417-7823-A+CIDADE+DE+ARACUAI+MINAS+GERAIS+CONHECEU+UMA+NOVA+FORMA+DE+EDUCAR,00.html

Domingo, 01/11/2009
Aprenda a fazer o biscoito de polvilho que faz sucesso nas escolas de Araçuaí.
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1151205-7823-BISCOITO+ESCREVIDO,00.html

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Cauí, sempre cheio de riquezas e generosidade... Vamos colecionar modos populares de educar: teorias e experimentos...
Saudades, muita dúvida no ar... Principalmente, muito trabalho e espaços de grupose aleados querendo somar...
Abraços, Jorge