quarta-feira, 6 de julho de 2011

BONS ENCONTROS: BOFF E POTÊNCIA CRIATIVA DO CAOS

                                                 Caos generativo e vida
                                                                    Leonardo Boff


A biologia e a astrofísica são seguramente os campos que mais têm contribuido para a nova visão do mundo (cosmologia). A isso chegou-se por caminhos atormentados embora complementares.
Os formuladores da física quântica como Niels Bohr (1885-1962) e Werner Heisenberg (1901-1976), em tantos pontos discordantes, convergiam nisso: que a física quântica era boa para explicar fenômenos ligados às partículas elementares, mas insuficiente para dar conta da vida.
“A vida mostra uma diversidade tal que ultrapassa a capacidade de compreensão da análise científica” sentenciava Bohr em sua famosa conferência de 1932 sobre “Luz e Vida”.
W. Heisenberg, de quem pude ser ainda aluno, num seminário para doutorandos nos meus tempos de Munique em l967, referindo-se a um longo diálogo com Bohr concluia dizendo: “Sonhamos com o dia em que a biologia venha a fundir-se tão completamente com a física e a química quanto se fundiram a física e a química na mecânica quântica”(Diálogos sobre a relação entre biologia, física e química, de l930-l932).
Esse dia chegou com Ilya Prigogine(*1917), prêmio Nobel de l977 ao aplicar os princípios da física quântica aos fenômenos longe do equilibrio. Tudo funcionou a contento, ao mostrar que a vida emerge do caos (Order from chaos), portanto, a vida irrompe da matéria quando longe do equilíbrio. A vida representa auto-organização da matéria (autopoiesis).
Para apreendermos a relevância desta afirmação precisamos ultrapassar a compreensão “materialista” da matéria e resgatar seu sentido originário: de mater (mãe, donde vem matéria) de todas as coisas. A matéria é energia densificada, é altamente interativa, é fonte de espiritualidade como o enfatizava sempre Teilhard de Chardin.
Atingido certo grau de complexidade da matéria, nos diz outro prêmio Nobel de medicina, 1974, Christian de Duve (*1917) em seu famoso livro Poeira Vital (1995), a vida surge como imperativo cósmico em qualquer parte do universo.
Unindo essa visão, na linha de Darwin, com a teoria da evolução ampliada, gestou-se uma visão coerente de todo o universo. Já não há compartimentos estanques e paralelos, de um lado seres orgânicos e de outro seres inorgânicos. Há distintos níveis de complexidade e de ordens dentro de um continuum cósmico de energias em inter-retro-conexões que articulam a ordem-desordem-nova ordem, fazendo surgir, num determinado momento, a vida em toda sua esplêndida diversidade. E dentro da vida, como expressão de uma complexidade ainda maior, a consciência reflexa dos seres humanos.
Por mais diversas que sejam as formas de vida, todas elas provém de um único ser vivo primordial, surgido há 3,8 bilhões de anos. Todos os seres vivos, desde os mais ancestrais, passando pelo dinossauros, os colibris, os cavalos e por nós, seres humanos, são formados por 20 aminácidos e quatro bases fosfatadas. Esse é o alfabeto universal com o qual se escrevem todas as palavras vivas: a incomensurável biodiversidade da natureza.
Somos, fundamentalmente, todos irmãos e irmãs como consequência de uma constatação científica, coisa que São Francisco, pelo caminho da mística cósmica, já o havia intuido há 700 anos.
Se fizermos deste dado objetivo do processo cosmogênico e biogênico, projeto da vontade política coletiva e propósito pessoal, seremos capazes de transformar o mundo: surgirá uma nova democracia sócio-cósmica, um pacto social que não incluirá apenas seres humanos, mas toda a comunidade de vida, finalmente, reconciliada consigo mesma e com sua raiz comum: a matéria sagrada e misteriosa do universo.


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