Jorge Bichuetti
Madrugada... Céu nublado...Nuvens; vento frio... Tudo parece contagiado pelo convite ao ócio... Meu quintal, numa quietude de mosteiro: os pássaros retardam a alvorada... O verde é orvalho sereno... Minha Luinha, logo, adormeceu de novo... Esperarei os sinos... Já que os galos também andam, hoje, sonolentos...
Escuto Bach... A Paixão... O barroco me transporta para um tempo além do tempo... Há tantos tempos...
... O relógio é um tempo que nos capturam sempre... A vida sob as rédeas do cronômetro.
Não consigo fugir da reflexão sobre o uso do tempo... Talvez, seja a melancolia da paixão cantada na dor da lembrança da finitude...
Me pego, perguntando a mim mesmo, se tenho logrado gerenciar meu tempo, contemplando a multiplicidade dos meus desejos e sonhos...
Há tempo de trabalhar e lutar... Há tempo de alegrar-se e desfrutar... Há tempo de vida desdobrando-se e acessando o fora... E há tempo de dobrar, interiorizando-se na quietude serena da meditação...
O grande desafio é que, muitas vezes, a vida nossa corre à revelia dos nossos desejos e sonhos...
Atendemos as demandas do mundo: passivos, servis... E, assim, nunca encontramos tempo para viver, experimentar, mergulhar nas nossas preciosidades singulares...
Adiamos... o livro, o filme, a visita... a viagem...
Vamos levando a vida escravos das obrigações... Tocamos o dia-a-dia imersos na compulsiva rotina que nos absorve...
Depois, o cansaço chega avisando que o nosso corpo já pode... O coitado... sob o fardo pesado das obrigações desgastou-se, exauriu-se...
Aí, já curvados pelo peso do mundo, não temos forças para viver o negado; deixamos, então, no baú das nossas desilusões a vida almejada e não vivida...
Nestes dias de céu nublado, nostálgicos e tediosos... vemos que nuca tomamos atitude e dizemos hoje, neste dia, farei...
Neste dia, eu... viverei a vida desejada e sonhada na visceralidade do clamor dos nossos corpos...
Antecipar o futuro e adiar o presente são dois modos similares de negar a vida...
Ambos, nos pauperizam... nos fragilizam e nos tornam vulneráveis à desenergização, desvitalização e nos jogam no tédio e no vazio existencial.
Viver é tecer caminhos, sonhos, lutas e horizontes... na intimidade das decisões que vaticinam um destino escolhido.
Tudo que vivemos... é força que marca, tatua o nosso corpo, a nossa subjetividade...
Ir arrastado pelo vendaval das convenções ou pelos constrangimentos das expectativas alheias, é negar a nossa potência de ser ativos na produção criativa da nossa própria existência...
Viver é domar o tempo, submetendo-o aos nosso arbítrio...
Neste dia, então, sejamos artífices do nosso próprio existir...
No fim do dia, teremos conosco a vida vivida... que seja ela uma florada de alegria e paz, ternura e solidariedade, arte e liberdade... Deste modo, descansaremos... entre o sonho e a luta, cheios de vida... vida que afirmamos com nossas próprias mãos que cavalgou pelos territórios da existência, norteando as rédeas do destino.
2 comentários:
Jorge, tua reflexão me fez lembrar cantares onde o sábio Salomão diz que "Há um tempo determinado para todas as coisas debaixo do céu"...
Que nós consigamos escrever nossa história usando com inteligência o nosso tempo...segurando assim as rédeas do destino!
Abraços ternos...com carinho...Mila.
Mila: sim, podemos tecer uma vida enluarada de ternura e poesia... canções e sonhos; vida que brilha na ousadia de ir e ser no caminho um raio da aurora... uma pétala da rimavera... abs ternos; jorge
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