Jorge Bichuetti
Um caminho no meio da chuva... As nuvens bailam no céu, anunciando um dia de chuva... A chuva cai e rompe a rotina... De repente, nos vemos ilhados dentro do nosso lar... Adiamos os compromissos, o lazer... e ali, ficamos com a sensação de que fomos apartados do mundo... E ela cai, mansa e terna... voluptuosa ou lacônica... Água... vida na lentidão...
A pequena me ensina a ser continente com a mansidão das chuvas...
Peregrinamos pela casa: catamos livros, filmes, discos... Canções e poesias, imagens e vida.
Preparamos uma boa comida... E vivemos a mansidão do ócio criativo...
Fugimos da lamúria pelo que iremos deixar de fazer; afirmamos o que desejamos viver no sossego ilhado da vida que se desnuda...
A chuva cai e nos desnuda...
A agitação cotidiana é um jeito de se ocultar... Nunca somos: fazemos, comparamos, tagarelamos, consumimos... Gastamos o tempo dicotomizando-nos: um fora esfuziante, um vazio interior...
A chuva nos desnuda e revela nossa realidade íntima...
Ela acaba nos contando se suportamos a nossa própria presença...
Ela diz da nossa condição servil: somos servos... servos do tarefismo, do corre-corre estressante, da vida social banal e fútil, porém, vida que nos agrega a ilusão de um valor de aparência...
No cotidiano, sumimos na multidão; na chuva, desnudo, vemos na água que cai um espelho que reflete a nossa singularidade... Reflete os povoamentos que temos efetuado na nossa subjetividade...
O livro, o CD, o filme... a arte culinária, o artesanato... a escrita e pintura... a meditação... Aliás, tudo o que reclamamos que gostaríamos de fazer, mas que somos impedidos por falta de tempo...
A chuva alonga o tempo... e desvela os verdadeiros investimentos que temos efetuado na vida...
Aprendemos a desencaixotar... nossos velhos amores...
Escutemos um quarteto... uma ópera... aquele disco maravilhoso que empoeirado, alijamos do nosso cotidiano...
Cultivemos a leitura... superando nossa cultura que se vê, muitas vezes, restrita às manchetes da hora...
Um livro, um filme... Um corte na rotina...
A rotina é restritiva e hipotrofiante... nos limita e nos inibe, suprimido hábitos e costumes que fermentam reflexões e mudanças...
Olhar e ouvir a chuva... sentindo-a caindo no coração da vida, já é um ato disruptivo, inovador...
Sejamos felizes...
Não esquecendo do valoroso Guimarães Rosa:
- "Felicidade se acha é em horinhas de descuido."
6 comentários:
ótimo! eu, que já sou picareta por escolha filosófica, hoje consegui deter por preciosos minutos, com seu texto, a correria de minha ocupada companheira, e sorvemos a chuva com seu cheiro de terra, e fizemos um cafezinho com cheiro de roça...
Perfeitamente descrito.
Abraço Jorge.
oa.s
Que poesia linda Tio Jorge! é Incrível como você expressa tão bem cada momento, por mais simples que ele seja.. como um dia de chuva. As vezes venho visitar o seu blog, leio, reflito e nada comento.. apenas guardo para mim suas lindas e emocionantes palavras! Mas esse texto sobre o que fazemos num momento de chuva mexeu comigo em espcial, porque o meu 'mundinho' ficou justamente assim como você disse! E senti uma imensa saudade de te ver, conversar, espero que essa semana isso aconteça! beijos
Paulo, a chuva quebra a rotina e abre novos espaços de vida; abraços ternos, jorge
OA.S: meu carinho e afeto... abs ternos, jorge
Layara, estou com muita saudade, também... A chuva deixa a gente próximo dos nossos corações; abs ternos, jorge
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