segunda-feira, 3 de outubro de 2011

DIÁRIO DE BORDO: NÓS E VIDA - CANTANDO NA CHUVA...

                                     Jorge Bichuetti

O festejo dos pássaros é uma oração singela e terna de gratidão... Celebram a chuva.... No quintal, as plantas emplumadas parecem agradecer à mãe natureza... A Luinha dorme; é o sono prolongado pelos sonhos que a magia do tamborilar da chuva provocam... Sonhos de primavera... A natureza é cheia de encantos... 
Somos uma geração desconectada da natureza: a natureza chega até já congelada e embalada... num mercado; nas fotos... Mesmo quando passamos um final-de-semana, junto a ela, ela é paisagem...
As civilizações antigas mantinham com a natureza uma relação sacralizada... Dádivas e maldições... Em cada canto, um encanto: um encantamento...
Nos tormamos tecnodependentes... e a natureza - secundarizada, maltratada, acessório, serviçal - já não nos emociona, nem nos leva a compreender a grandiosidade que é o espetáculo da vida...
A chuva cai... melodiosa, tranquilizante... cheia de fertilidade e serenidade... No entanto, nossa primeira reação é ver, raivosos, a queda do sinal da TV, da Internet... o programa adiado...
Não percebemos mais temos lesado a ecologia ambiental e social; e depauperado o funcionamento da nossa vida íntima, danificando nossa ecologia mental...
Introjetamos o fetichismo da mercadoria e desnaturalizamos o nosso existir. Passamos a existir num tecnocentrismo absurdo...
Hoje, sentindo o cheio de mato e a vida alegre no verde das plantas... me senti envergonhado por não ter celebrado a generosidade da chuva... que caiu mansa, afável, cheia de carinho... como se fosse um ente misericordioso que chegava, aliviando as agruras do tempo seco, da baixa umidade, do calor inclemente...
O cerrado em festa; nós, desnorteados...
Todos discutimos com erudição os desastres ecológicos... mas, o fazemos como se a natureza fosse, tão somente, um objeto desgastado pelo excesso de uso e de abusos...
Viver é etecétera - dizia Guimarães Rosa...
Entre caminhos e horizontes que nos foram roubados, necessitamos de renovar nosso vínculo com a mãe natureza...
Reaprender ao ouvir sua palavra... entender sua linguagem, seu modo se ser...
Somos treinados pela educação formal: recolhemos uma multidão de informações, mas nos comunicamos cada vez mais com restrições e reduções banalizadas e banalizantes...  Sabemos ir e vir, comprar e vender, consumir... somos formatados para o mercado... Não aprendemos a arte de existir, com criatividade e arte... com vinculação e doação...
E subtraímos do nosso dia-a-dia atitudes potentes para o nosso equilíbrio ecológico interior: não contemplamos, não escutamos, não celebramos, não dialogamos com a vida... queremos entender a vida no quadriculado da racionalidade técnico-instrumental...
O luar é um enfeite no alto; o sol é claridade utilitária... o vento, a chuva, o raio e o trovão, os rios, as matas, as flores e o canto dos passarinhos... são fenômenos assépticos, insípidos, insólitos... criamos uma couraça para evitar que eles nos subjetivem.... pois, nossa subjetividade idolatra e reifica os produtos do mercado que agregam valor aos que os possuem...
O carro veloz que passa deslumbrante... nubla a beleza do pôr-do-sol nas nossas tardes...
A ternura de uma flor é descartável; ecoa em nós com mais ímpeto os produtos dos lançamentos da moda imperial...
No amor, anulamos a força do luar... o jogamos na liquidez das relações levianas... na dissimulação da histérica história falseda... e no palco de neon dos grandes espetáculos...
Ecologia mental é subjetividade livre, ativa e inventiva... é expontaneidade, ética e cuidado... é interiorização - paz íntima e serenidade...
Contudo, comensais do mercado... vivemos o fora, o fora das coisas, dos objetos, das mercadorias... desvalorizando a palavra e o silêncio, o carinho e a companhia, a partilha e a solidariedade....
Expulsamos da nossa vida interior o outro na sua alteridade... a natureza na sua inteireza e beleza... Reificando o deus mercadoria...tornamo-nos um vazio preenchido de tecnologia e mercadorias...
Assim, vamos nos fragilizando... nos depremindo... nos estressando... Depois, fóbicos e paranóicos, ansiosos e depremidos... queremos um objeto, uma química que nos dê força e cor, sonho e bom ânimo.... e como bons viciados do mercado, só sabemos cuidar das nossas dores com psicofármacos que compramos nas drogarias ou com alucinógemos que buscamos no trágego, nos porões da destrutividade...
"O resto é silêrncio"...

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