JUVENAL ARDUINI
"O
ser humano é ambivalente. Conhecido e estranho, próximo e distante,
transparente e opaco. O ser humano canta e protesta, dança e agride,
congrega e dispersa. O ser humano é diáfano e indevassável, lúcido e
nebuloso, acessível e inabordável. Circula pelas ruas, mas também
recolhe-se na intimidade. O ser humano expande-se festivamente e
tranca-se amargamente. É lógico e ilógico.
O
ser humano é linguagem pluriforme. Fala e silencia, grita e emudece,
gargalha e enclausura-se. O ser humano é palavra ofertada e palavra
recusada. E recusar a palavra aos outros é rejeitá-los. O ser humano é
fonte exuberante de comunicação, e também núcleo rígido de
incomunicação. Comunicabilidade e incomunicabilidade são duas faces do
existir humano. O ser humano é diálogo fecundo e monólogo estéril.
O
ser humano é torrente de amor. Amar é expressão de vida, êxtase,
paixão, impulso vital. É Eros. Mas o ser humano pode também gotejar ódio
feroz. O ódio é filho de Tânatos. O ser humano é mistura de Eros e
Tânatos. Quando o amor se perverte, converte-se em ódio implacável.
Seres que se amavam apaixonadamente passam a odiar-se rancorosamente. E o
“amante” chega a assassinar o “ amado”.
O
ser humano é fértil em criações. Cria vida, saúde, pão, paz, ciência,
tecnologia. Mas o ser humano é também niilista. Incinera o mundo. Basta
ver a guerra. O ser humano constrói maravilhas, mas também pode
arrasá-las. Planta a semente e desintegra a germinação.
Pai
luta para ter filho; e pai estupra a carne de sua carne. Mãe sangra
para sustentar o filho; e mãe abandona ou estrangula o recém-nascido.
O
ser humano sente necessidade de convivência e solidariedade. Mas é
também anti-social. A discriminação, o fanatismo e o sectarismo esfiapam
o tecido da sociabilidade. O ser humano fascina. As pessoas seduzem
pelo amor e pela beleza, pela inteligência e pela bondade. Mas também as
pessoas intimidam e ameaçam com violências e assassinatos. O ser humano
cativa com afeição e algema com servidão.
O
ser humano é águia altiva que recorta horizontes vastos. E é também
verme que rasteja. O ser humano empolga pelos avanços científicos e
históricos, e frustra pela vulgaridade e pelo aviltamento. A fronte do
ser humano roça a face de Deus, mas seus passos escorregam na lama. O
ser humano dignifica-se pela fidelidade e abastarda-se pela traição.
O
ser humano é paradoxo antropológico. Muitos exaltam a grandeza do ser
humano. Outros muitos lhe estigmatizam a vileza. O ser humano não se
define por conceito matemático. É seqüência de contrastes. É campo de
“joio e trigo”. É ser em devenir. Pode acertar e pode errar. Pode
fazer-se e desfazer-se. Mas abriga potencial para re-fazer-se. O ser
humano é capaz de eliminar o ódio, a perversidade, a destruição. E pode
propulsar energias criadoras inteligentes que amadureçam a consciência,
redirecionem a liberdade, cultivem o amor, promovam a justiça, efetivem a
solidariedade e assumam a responsabilidade.
O
ser humano é oscilante. É paradoxo. Avança e recua, atrai e expulsa,
ergue-se e recai, edifica e pulveriza, arrisca-se e amoita-se. O ser
humano não é apenas herança. É decisão. É gênese existencial. É
conquista de todos os dias. Lidar com o ser humano é lidar com o
paradoxo."DO LIVRO: OUSAR...
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