sábado, 5 de março de 2011

O NU E O OBSCENO

                                                        
                                                                                           Jorge Bichuetti

Toda nudez será castigada!... Depois, de muito olhada, vasculhada, dissecada...
O nu violenta os que o vêem como imoralidade, indecência, sensualidade promiscua, degradação e orgia...
No carnaval multiplicam os clamores de que o mundo anda sem limites: corpos nus, expostos no espetáculo.
Inegavelmente, vivemos numa sociedade de exposição visual e de hipererotização do espaço público.
Como, também, não podemos negar que viemos de uma sociedade pudica, repressiva, que diabolizava o erótico e o sensual.
No carnaval, sempre, se retoma esta velha polémica.
O erótico e o sensual compõem a vida e a vida que se tece como vínculos nascidos nos emaranhados de desejos, sonhos, paixões, amores, prazeres e vida.
Muito mais obsceno é o olhar que espia e devassa a nudez do outro.
Se tratamos a sexualidade como mercadoria, o corpo nu é um corpo objeto, desfocado de uma história, um caminho e muitos sonhos. Desumanizamos e coisificamos o homem.
Porém, se a nudez é a busca do belo pelo próprio sujeito do seu desnudamento, afeta e libera... Não superaremos nossos complexos e limitações mantendo a sensualidade e a sexualidade reprimidas da nossa subjetividade.
Somos seres sexuais... todavia, a sexualidade não é a única linha da vida. somos uma multiplicidade complexa: do trabalha a arte, do lúdico ao espiritual, das redes de amizade às práticas políticas... somos uma multidão nos agenciamentos diversos que experimentam e vivenciam o nosso corpo.
Muitos transtornos e sofrimentos psíquicos se enraízam na sexualidade contida, temida e envergonhada.
A nudez envolve uma problemática ética e estética... Nela, situaremos quatro campos de reflexões pertinentes e necessárias:
1. Apropriação do próprio corpo: quase nunca tomamos posse do nosso corpo. O ocultamos. Não manuseamo-lo... Ele toma a forma de um ente externo e temeroso. Um corpo reprimido e suprimido, com timidez e distanciamento... O nu nos leva, por contágio e afetação , a naturalizar nossa relação com o nosso próprio corpo; descriminalizando o prazer e cuidado de si.
2. Corpo-belo como singularização: Todo dia, somos induzidos a copiar ou invejar um belo padronizado. urge que descubramos que o belo se dá na singularidade, singularidade intensificada e trabalhada para ser vivida e viver, como nossa estética...
3  O corpo-objeto e sua mercantilização: aprofundando a evitação dos encontros e do amor, o corpo tende a ser capturado e situado no cenário da vida como uma coisa, um objeto. Objeto que nos evita a exploração do corpo como potência subjetivante e libertária. Se a nudez é mercantilizada, passa a ser uma nudez produto de uma subordinação que trava as potências afirmativas da vida.
4. O corpo nu - do espetáculo à performance: Podemos nos desnudar, na intimidade ou no coletivo, o corpo é vida; contudo, se capturados pela vida de espetáculos, perdemos o protagonismo e somos subjugados e seviciados pelo obsceno olhar que nos invade... Outra realidade, é o corpo que se desvela e se revela numa performance, sendo protagonista e transformando sua nudez numa obra de arte de experimentação e vivência dos afetos e das afetações num contexto de vida e vida governada pela liberdade e pelas paixões alegres.
O nu não pecado ou crime, é uma experiência rica se nela nos descobrimos e nos permitimos íntimos de nós mesmos.
O resto é moralismo...
























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