Falar de Darcy Ribeiro apenas como educador seria insuficiente. A proliferação de ideias e o ímpeto para concretizar projetos fizeram dele, mais que um intelectual, um realizador.
Darcy começa sua vida profissional como antropólogo. Posteriormente, ingressa na área educacional, atingindo rapidamente o cargo de ministro da Educação, em 1962, durante o Governo João Goulart. Tinha, então, apenas 29 anos. Sua trajetória sempre esteve próxima às lideranças dos Governos, o que tornou inevitável seu ingresso na vida política: foi ministro-chefe da Casa Civil do presidente João Goulart em 1963, vice-governador do Rio de Janeiro em 1982, secretário de Cultura, coordenador do Programa Especial de Educação, e senador da República de 1991 até sua morte, em 1997. Durante esses mandatos, também concretizou projetos na área ambiental. A intensa produção de livros o transformou em um dos imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL), onde viria a ocupar a cadeira 11 em 1993. Nos últimos anos de vida surpreendeu com sua produção de poemas.
Sua produção na área da educação e da cultura deixou marcas no país: criou universidades, centros culturais e uma nova proposta educativa com os Centros Integrados de Educação Pública, os Cieps, além de deixar inúmeras obras traduzidas para diversos idiomas.
Darcy Ribeiro nasceu em 26 de outubro de 1922 em Montes Claros (MG), no Vale do São Francisco, entrada do sertão nordestino. Em 1946, forma-se em antropologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e dedica seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia (1946-1956). Neste período, cria o Museu do Índio e formula o projeto de criação do Parque Indígena do Xingu. Elabora para a Unesco um estudo sobre o impacto da civilização sobre grupos indígenas brasileiros no Século XX e em 1954 colabora com a Organização Internacional do Trabalho na preparação de um manual sobre os povos aborígenes de todo o mundo. Darcy deixou como legado uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena.
Nos anos seguintes, dedica-se à educação primária e superior. Cria a Universidade de Brasília, a UnB, da qual foi o primeiro reitor, e posteriormente assume a pasta da Educação, no Gabinete Hermes Lima. Mais tarde, é chamado por João Goulart para ser ministro-chefe da Casa Civil e coordenava a implantação de reformas estruturais quando aconteceu o golpe militar de 1964, que o lançou no exílio, onde começa a escrever os romances Maíra e O Mulo.
Em seu retorno ao Brasil, em 1976, volta a dedicar-se à educação e à política, tendo sido eleito vice-governador do estado Rio de Janeiro em 1982. Em 1983, assenta as bases do que viria a ser o Programa Especial de Educação, com o encargo de implantar 500 Cieps, escolas de horário integral para crianças e adolescentes.
Entre as obras que idealizou, estão a Biblioteca Pública Estadual do Rio de Janeiro, a Casa França-Brasil, a Casa Laura Alvim, o Centro Infantil de Cultura de Ipanema e o Sambódromo, que inicialmente também funcionava como uma enorme escola primária com 200 salas de aula, além do Memorial da América Latina, edificado em São Paulo com projeto de Oscar Niemeyer. Darcy contribuiu ainda para o tombamento de 96 quilômetros de belíssimas praias e encostas do litoral fluminense, além de mais de mil casas do Rio Antigo.
A propagação de suas ideias rompeu fronteiras. Darcy viveu em vários países da América Latina, onde conduziu programas de reforma universitária, com base nas ideias que defende no livro A Universidade Necessária. Foi assessor do presidente Salvador Allende, no Chile, e de Velasco Alvarado, no Peru. Neste período, escreve os cinco volumes de seus Estudos de Antropologia da Civilização (O Processo Civilizatório, As Américas e a Civilização, O Dilema da América Latina, Os Brasileiros: Teoria do Brasil e Os Índios e a Civilização), livros que atingiram mais de 90 edições em diversas traduções. Neles, Darcy propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. Como reconhecimento de sua importância, Darcy foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris IV - Sorbonne, Universidade de Copenhague, Universidade da República do Uruguai e Universidade Central da Venezuela.
Elege-se senador da República pelo estado do Rio de Janeiro em 1991, tendo elaborado a Lei de de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 20 de dezembro de 1996 como Lei Darcy Ribeiro. Publica, pelo Senado, a revista Carta', com 16 números (1991-1996), onde os principais problemas do Brasil e do mundo são analisados e discutidos em artigos, conferências e notícias.
Entre 1991 e 1992, licenciado do Senado, assume a Secretaria Extraordinária de Programas Especiais do Rio de Janeiro. Completa a rede dos Cieps e cria os Ginásios Públicos, um novo padrão de ensino médio. Planeja e cria, em 1994, a Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF, sediada em Campos dos Goytcazes, no Rio de Janeiro, e destinada a ser a Universidade do Terceiro Milênio, na qual assume o cargo de chanceler. Durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente – a ECO’92, realizada no Rio de Janeiro, em 1992 – implanta o Arboretum do Viveiro da Floresta Branca, dentro do Parque Floresta da Pedra Branca.
Escreve dois livros: Utopia Selvagem e Migo. Publica Aos Trancos e Barrancos, um balanço crítico da história brasileira de 1900 a 1980; Sobre o Óbvio, uma coletânea de ensaios; e Testemunho, um balanço de sua vida intelectual. Edita, juntamente com Berta Ribeiro, a Suma Etnológica Brasileira. Em 1992 publica - pela Biblioteca Ayacucho, em espanhol, e pela Editora Vozes, em português - A Fundação do Brasil, um compêndio de textos históricos dos séculos XVI e XVII, comentados por Carlos de Araújo Moreira Neto e precedidos de um longo ensaio analítico sobre os primórdios do Brasil. Neste mesmo ano, é eleito membro da Academia Brasileira de Letras, onde viria a ocupar a cadeira 11 em abril de 1993.
Em 1995, publica O Povo Brasileiro, livro que encerra a coleção de seus Estudos de Antropologia da Civilização, além de uma compilação de seus discursos e ensaios, intitulada O Brasil como Problema. Lança ainda um livro para adolescentes, Noções de Coisas, com ilustrações de Ziraldo, obra que em 1996 recebe da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil o Prêmio Malba Tahan de Melhor Livro Informativo.
Em 1996 publica, pela editora Companhia das Letras, Diários Índios: os Urubu-Kaapor, que reproduz integralmente os diários de campo escritos em forma de cartas à Berta Ribeiro no período de 1949 a 1951, quando era etnólogo do Serviço de Proteção aos Índios. Nesse mesmo ano, seu primeiro romance, Maíra, recebe uma edição comemorativa de seus 20 anos, que traz resenhas e críticas de Antônio Candido, Alfredo Bosi, Moacir Werneck de Castro, Antônio Houaiss, Carmen Junqueira e outros especialistas em literatura e antropologia. Ainda em 1996, recebe o Prêmio Interamericano de Educação Andrés Bello, concedido pela OEA a eminentes educadores das Américas.
Organizou a Fundação Darcy Ribeiro, instituída por ele em janeiro de 1996, com sede própria, localizada em sua antiga residência em Copacabana, com o objetivo de manter viva sua obra e elaborar projetos nas áreas educacional e cultural. Um de seus últimos projetos lançado publicamente foi o Projeto Caboclo, destinado à fixação do caboclo na floresta amazônica.
Darcy Ribeiro falece em 17 de fevereiro de 1997. No seu último ano de vida, dedicou-se especialmente a organizar a Universidade Aberta do Brasil, com cursos de educação a distância, e a Escola Normal Superior, para a formação de professores de 1º grau.
REFLEXÕES DE DARCY RIBEIRO:
- "Eu não tenho medo da morte. A morte é apagar-se, como apagar a luz. Presente, passado e futuro? Tolice. Não existem. A vida vai se construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O que está vivo vai adiante"
- "Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca."
- " Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por sé culos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros..."
- " Por isso mesmo, o Brasil sempre foi, ainda é, um moinho de gastar gentes. Construímo-nos queimando milhões de índios.Depois, queimamos milhões de negros. Atualmente, estamos queimando, desgastando milhões de mestiços brasileiros, na produção não do que eles consomem, mas do que dá lucro às classes empresariais."
- " Dizem, também, que nosso território é pobre - uma balela. Repetem, incansáveis, que nossa sociedade tradicional era muito atrasada - outra balela. Produzimos, no período colonial, muito mais riqueza de exportação que a América do Norte e edificamos cidades majestosas corno o Rio, a Bahia, Recife, Olinda, Ouro Preto, que eles jamais conheceram "
- " Nosso povo preservará, depois dessa drástica cirurgia, a vitalidade indispensável para sair do atraso ou estará condenado a afundar cada vez mais no subdesenvolvimento? Quem está interessado em que o Brasil seja capado e esterilizado? Serão brasileiros?"
- " Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu."
- " O Brasil cresceu visivelmente nos últimos 80 anos. Cresceu mal, porém. Cresceu como um boi mantido, desde bezerro, dentro de uma jaula de ferro. Nossa jaula são as estruturas sociais medíocres, inscritas nas leis, para compor um país da pobreza na província mais bela da terra. Sendo assim, no Brasil do futuro, a maioria da gente nascerá e viverá nas ruas, em fome canina e ignorância figadal, enquanto a minoria rica, com medo dos pobres, se recolherá em confortáveis campos de concentração, cercados de arame farpado e eletrificado. Entretanto, é tão fácil nos livrarmos dessas teias, e tão necessário, que dói em nós... A nossa conivência culposa."
O POETA DARCY RIBEIRO
Nessa casona, hoje, um homem espera a Morte.
Eu. Nem homem sou.
Sou é um des-homem,
de punhos atados,
de dentes cerrados,
de pernas peadas,
aos pés do Senhor!
Quanta coisa boa!
Mas devo respeitar o espaço, e só tenho tempo de falar de Emilinha,
uma gostosura de poema e de figura:
Emilinha não era desse mundo.
Ou era, demais da conta.
Safada de nascença.
Nela havia o sumo de dez,
de cem mulheres
muito fêmeas.
Tanto que extravasava,
sopitava em cheiros e barbas.
Suspiros e choros.
Era uma força viva,
selvagem como esses bichos silvestres.
Emilinha me fez homem
como jamais fui antes nem depois.
parecia até feitiço.
Eu e ela inesgotáveis...
Vi por fim,
me convenci,
de que Lea me vencia,
me amofinava.
Era mulher demais para um homem só.
Eu não podia com a mulinha!.
Um comentário:
Maravilhoso, um Uberabense disponibilizando tesxto tão rico sobre uma pessoa tão rica. Maravilhoso!
Postar um comentário