quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

POESIA: SONS, LÁGRIMAS E SONHOS

                     ESTA CANÇÃO
                                          Jorge Bichuetti

Soa suave e distante,
como se o tempo
não houvesse passado;
nela, estávamos diante
na doçura do vento
que nos faziam alados...
Hoje, canta a voz
dissonante
do amor
da vida roubado...
Eu, aqui, neste barco;
você, noutros braços...


                             NA ESTRADA, OS BRASIS...
                                                         Jorge Bichuetti

Vivo. Caminhando...
Na estrada, descortino
a vida verdadeira,
escondida e dissimulada,
nos livros da minha gaveta.
Vejo pássaros cantantes,
meninos esfomeados,
moças liquidando-se
aos moços do posto
e aos de vício da jornada...
Vi mulheres carregando
um morto, e outro, também;
vi a vida dos ausentes
das estatísticas do bem...
Assim, conheço a verdade
dura, crua e nefasta;
o homem morre de fome
e alguns riem do nada...

                                         
                                  TROVAS DOS SONS VITAIS
                                                    Jorge Bichuetti

A música toca e nada,
só escuto a tua voz;
falas de amor com loucura,
a ternura, somos nós...
             ***
Ah! Cantava solitário
e já não pensava em nada;
a música só tornava,
colorido o pó da estrada.
             ***
Todo dia, enfileirado,
cantava o hino do pais;
era verde e azul anil,
povo-amarelo não diz...
             ***
Um menino chora e clama:
a fome dói e maltrata...
Outro, chamega e reclama,
quer vida de ouro e prata.

                            
               
                  MÚSICA VISCERAL
                                          Jorge Bichuetti

O corpo fala, sonâmbulo,
uiva nas noites de luar,
geme de amor e prazer,
sussurra segredos e sonhos,
canta na hora de ninar,
calando os monstros
e os fantasmas
que vagam, indolentes,
pelas veias inocentes
do nosso medo fatal...
Nosso corpo fala... na lágrima,
lamentos de dor e angústia,
reclamos da solidão...
Nosso corpo fala e delira,
na vida asfixiada,
vilmente, negada,
na fome de amor e de pão...
Delirando o corpo fala
de um outro mundo possível,
que pulsa e brilha potente
nas terras da utopia...

Numa prece alucinada,
nosso corpo,todo dia,
grita e  e pede alegria...

Nosso corpo e espera,
angustiado e triste,
ele já suporta
este silêncio da vida...


6 comentários:

Tânia Marques disse...

São as contradições dos caminhos! Lindas e emocionantes palavras, demonstram uma lucidez muito forte em relação ao teu "eu-lírico" e a realidade, com as chagas de um sistema excludente e
social-esquizofrênico como é o capitalista, que seifa devires como condição básica para sua existência. Olhando para a última gravura, lembrei-de de uma professora de Psicologia da Educação que, naquela época de faculdade, 1980 foi quando ingressei, me disse: "Tânia, tu és uma flor que nasceu sobre as pedras". Nunca me esqueci disso, marcou profundamente o meu ser, justamente porque até hoje o meu entorno é demasiado complicado, e eu continuo erguida em direção ao Sol, procurando luz, em direção ao vento, procurando ar, em direção à chuva, procurando o amor, aventurando-me como uma forte e impetuosa GUERREIRA.
Jorge, visita, se for possível, outra postagem minha no Palavras e Imagens: www.marquesiano.blogspot.com
Adoro aquela música, tanto quanto "Chão de giz" que já está no blog há mais tempo. Abraços fraternos.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, visitarei, ainda hoje, assim, que esair do consultório, estivesse na clínica cedo, e vendo as poesias dos usuários - psicóticos - pensei na força excludente... Poucas flores nascem num chão de pedrase sobrevivem livres; pois, ali, elas , denúnicia e anúncio, indignação guerreira e rebeldia poética... Um tapa na cara do capitalismo.
Trabalhando a inclusão, vejo que se não ousarmos mais, acaberemos capturados pela inclusão diferencial da sociedade mundial de controle; todos incluidos, deste cada um se comporte e se contente com o lugar que lhe foi dado.
Verei sua postagem, amo seu trabalho, criativo, provocante e terno, numa só dose...
Abraços, com imensa ternura, Jorge.

CLARA disse...

A FLOR E A NAUSEA

Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me''? Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse. Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem. Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal. Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima. Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

(Carlos Drummond de Andrade)

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Clara, que lindo poema: drummond... que belo amigo temos em comum... Genial, sensível e valente nos sonhos e intenso na ternura.
Abraços, Jorge

Aninha disse...

ME ESBARREI POR UM ACASO EM SEU BLOG...
FIQUEI ENCANTANDA COM TANTA RIQUEZA.
BEIJOS NO SEU LINDO CORAÇÃO!


AH!?
TENHO ESCRITO ALGUNS TEXTOS,SE TIVER UM TEMPINHO...
AGRADEÇO.

http://recantodasletras.uol.com.br/autor_textos.php?id=83272


BEIJOS!\Õ/

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Aninha, agradeço-lhe a visita e irei, agora, mesmo ver suas produções...
Quando ouvi a primeira vez, sobre a partilha, me parecia, somente uma invenção dos amigos do MST e da teologia da Libertação, como não sou militante destes espaços, só com o tempo vi que estavam falando de um novo modo de viver e de se trocar, com o brilho da vida e o brilho dos sonhos se sustentando e se vitalizando para as agruras da caminhada.
Com ternuura, lhe envio beijos e abraços com o orvalho do alvorecer, Jorge Bichuetti