O Ladrão do Pão
Foi no acordar das ondas dormidas
no mar morto da minha memória
com o chilrar duma gaivota a desafiar o vento
que eu pedi perdão
foi com o roçar do invisível fio
que atou a fame ao pescoço doutra vítima
que eu pedi perdão
Pedi perdão a essa meninha
que hoje viveu seu último dia
e eu me esqueci
ou pior
eu nem lembrei
nem sabia da sua existência
a essa meninha a quem a fame se fora anunciando
mesmo antes de ela ter nascido
achara acougo no morno ventre
no sacrificado ventre de sua mãe
mau foi nascer
abrir os olhos e nascer
sem vida a aguardar por ela
é só por alguém ansiar dous anacos de pão
hoje
que minha inconsciência toma as rédeas da conciência
penso nela
e quero imaginar o rosto do ladrão do seu pão
pão destinado a ser alimento de mofos nas lacenas dum mundo obeso
atravesso as ruas inçadas de rostos bem mantidos
busco entre os homens
entre as mulheres
busco entre os mais novos
entre os mais velhos
busco entre as crianças envoltas em gordura
busco busco
busco busco
busco busco
busco busco
busco
a minha indecisão vai tapando-me os sentidos
não posso escolher
nem preciso
qualquer um poderia ser
mesmo esse
não
melhor aquele
não
aquele
aquele...
não
entro na casa
passo frente ao espelho
eis a quem lhe pedir contas
Concha Rousia
4 comentários:
Obrigada meu amigo por levar as nossas palavras ao horizonte a voar nesta Utopia, abraços de grande admiração por teu trabalho e de imenso carinho, Concha
Concha: que bela poesia! pena que quando a coloca em letras maiores perdia o diagrama... a utopia é casa nossa... Abs ternos, jorge
Ficou linda assim, nessas letras, sabes quando eu a escrevi foi num velho envelope, chegou a mim de urgência e no carro não levava papel... Sempre grata e feliz de semear palavras por aqui, abraços ternos, Concha
Concha: meu carinho... vida de ternura nas teias e voos da amizade... abs ternos, jorge
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