segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

MESTRES DO CAMINHO: A POESIA DE RESISTÊNCIA

A ESCRAVIDÃO E A RESISTÊNCIA GUERREIRA DE CASTRO ALVES:

                   O NAVIO NEGREIRO
                                    ( tragédia no mar )

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.


'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro... 

                       ***
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!


Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...


São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão... 

                ***
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares! 











 















MULHERES: A POETIZA MARIA TERESA HORTA E A LUTA CONTRA VIOLÊNCIA DE GÊNERO  


Os silêncios da fala
 
São tantos
os silêncios da fala
 
De sede
De saliva
De suor
 
Silêncios de silex
no corpo do silêncio
 
Silêncios de vento
de mar
e de torpor
 
De amor
 
Depois, há as jarras
com rosas de silêncio
 
Os gemidos
nas camas
 
As ancas
O sabor
 
O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor. 

POR DIREITOS HUMANOS. POETAS RESISTEM E DENUNCIAM OS FASCISMO DA DITADURA MULITAR.
                                PEDRO TIERRA


  POEMAS DO POVO DA NOITE


Fui assassinado.
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.
Meus olhos em sangue
testemunharam
a dança dos algozes
em torno do meu cadáver.
[...]
Fui poeta
do povo da noite
como um grito de metal fundido.
Fui poeta
como uma arma
para sobreviver
                            e sobrevivi.
[...]
Porque sou o poeta
dos mortos assassinados,
dos eletrocutados, dos “suicidas”,
dos “enforcados” e “atropelados”,
dos que “tentaram fugir”,
dos enlouquecidos.
Sou o poeta
dos torturados,
dos “desaparecidos”,
dos atirados ao mar,
sou os olhos atentos
sobre o crime.
[...]
meu ofício sobre a terra
é ressuscitar os mortos
e apontar a cara dos assassinos.
[...]
Venho falar
pela boca de meus mortos.
Sou poeta-testemunha,
poeta da geração de sonho
                                           e sangue
sobre as ruas de meu país.

















PELO DIREITO À LIBERDADE SEXUAL E À DIFERENÇA. RESISTÊNCIA À HOMOFOBIA:                   
                               MARIO SÁ DE CARNEIRO

 
Eu queria ser mulher pra me poder estender
Ao lado dos meus amigos, nas banquettes dos cafés.
Eu queria ser mulher para poder estender
Pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés.
Eu queria ser mulher pra não ter que pensar na vida
E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro -
Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro
A falar de modas e a fazer «potins» – muito entretida.
Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios
E aguçá-los ao espelho, antes de me deitar -
Eu queria ser mulher pra que me fossem bem estes enleios,
Que num homem, francamente, não se podem desculpar.
Eu queria ser mulher para ter muitos amantes
E enganá-los a todos – mesmo ao predilecto -
Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto,
Com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes…
Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,
Eu queria ser mulher pra me poder recusar…















4 comentários:

Tânia Marques disse...

Concordo, homofobia é crime, preconceito de qualquer tipo é crime, mas, às vezes, ou muitas vezes, isso fica só registrado no papel. Mesmo de forma velada ou por entrelinhas, vemos a todo instante pessoas discriminando seus semelhantes, comentendo "bullying" ou fazendo "brincadeirinhas" como forma de desculpa para atenuar as suas intenções. É a ética burguesa que esquadrinha as pessoas de acordo com a lógica do sistema capitalista; se a "pessoa-mercadoria"
foge dos padrões ditos "normais" terá de ser execrada, pois está com "defeito" e a engrenagem não funcionará como foi prevista. Desculpa se pareço muito panfletária! Abraços

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, venho alguns dias nos comentários tentando fazer isso: qualificar, aprofundar, contextualizar... Um texto ou uma poesia, dá poucodados, e afeta, maravilhosamente, mas para que perca este efeito de afetar, libertando, temos que ir dialogando e dando um pano... um contexto...os valores e a utopia que nos fazem amantes da liberade e da vida.
Abraços, concordo com tudo.Ternamente, Jorge

Tânia Marques disse...

Vc é um amor!

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, você é uma pessoa generosa e batalhadora, comecei apercorrer seus re-cantos, e estou encantado...
Chego a eles, com paciência, pois, fiquei encantado.
abraços, Jorge