quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O CUIDADO E O ACOLHIMENTO NAS PRÁTICAS CLÍNICAS E SOCIAIS: UM DEVIR SIMEÃO

                                                                     Jorge Bichuetti

Quem sofre chega nos serviços e programas de saúde e de políticas sociais, carregando uma lágrima ulcerante e desesperadora... Suporta problemas, feridas, limitações e deficiências que os faz amargar, dolorosamente, à espera de alguém ou de algo que lhe dê um alívio, um aconchego, uma esperança...
Antes, os usuários eram vistos, verticalmente, e tratados como se fossem uma vida descartável, somente , útil, para a glória do paternalismo e do assistencialismo ou da de uma eletiva exclusão.
Hoje, pensamos a vida submetendo-a aos valores da cidadania e da solidariedade.
Algo, mudou...
E esta mudança, precisa ser creditada a dois heróis do amor: Emerson Merhy e Leonardo Boff...
Merhy nos deu a praxis do acolhimento... Um modo de ver a dor do outro como encargo, vínculo e corresponsabilização... Fez os serviços pensarem e sentirem que o outro não era um mendigo existencial; dado às filas e à nulidade de quem recebe migalhas caídas de uma mesa cujos assentos cabiam aos que seriam os deuses da vida e da morte dos que não podiam , por si mesmos, superarem a própria infelicidade...
A infelicidade não era vista sendo produzida pela ordem social...
E as lágrimas nem eram notadas já que os que sofriam deviam ser recolhidos ao silêncio e à exclusão...
Acolher é cuidar... Acolher é partilhar... Acolher é agir com uma nova mirada, onde a racionalidade, não é um número, é com-paixão...
Boff, o sacerdote dos mistérios da libertação, redefine o cuidado e faz cuidado-inclusão...
O cuidado é amor, carícia essencial, ternura vital, conviviabilidade, solidariedade, justa medida e compaixão...
A clínica e as práticas sociais nunca seriam as mesmas...
A lágrima aprendeu a falar... E os serviços e programas são dignificados na medida que a conseguem escutar.
                                                        ***
Um dia, num passado distante, um homem foi condenado... Seu drama , sua paixão era uma árdua e pesada cruz...
Ele, depois, veio a ser um divino proclamado pelo ato da ressurreição....
Porém, entre a dura e injusta condenação e o sublime re-aparecimento houve um calvário, uma dolorosa via crucis, uma lágrima suplicante como as lágrimas dos nossos outros irmãos , que todo dia procuram aconchego e compreensão... Onde nós só percebemos trabalhos de reposição.
Ele não teria vencido os séculos sem o auxílio anónimo de um nobre cuidador...
Simeão, o Cirineu, ao longo do seu calvário foi o exemplo vivo do verdadeiro cuidado e do celestial amor.
Não lhe negou solidariedade... por três vezes carregou por ele a cruz... Numa angélica generosidade não o condenou pelas quedas , nem lhe abandonou nas agruras da vida quando a vida pesava que o valor de seus ombros...
Também, não lhe furtou o protagonismo da própria história... Evitou lhe roubar o cenário, e seu lugar na história...
Anónimo e generoso, serviu-lhe, prontamente... Sem lhe pedir que a sua dor esperasse o seu momento disponível de dar-se, gota a gota...
Simeão, o cuidador, é o amor , pronto e ligeiro, silencioso e disponível no tempo da lágrima que corre, esfacelando uma vida e danificando a própria história.
A história muda... Já não é a do registro lacónico que conta a vida e a obra dos vencedores... E a história dos oprimidos que já padecem na solidão, pois se caem e choram, não lhe faltam um Simeão.

2 comentários:

Anônimo disse...

O melhor do Homem está nos instintos, e Nietzsche observou bem isto. Por essas e outras ele focou seu trabalho contra a morte da alma humana, que se traduzia em seus instintos, empreendida pelas ideologias e religiões.
Instintivamente a maioria esmagadora da humanidade é constituída de gente bondosa, caridosa, generosa, competidora, sonhadora, conquistadora, ambiciosa, etc e isto é a base de todo o progresso humano. Sem estes instintos, que se encontra a vontade de potência, o mundo hoje estaria com mais de 6 bilhões na miséria.
O mais certo é que nem a luz elétrica existisse. Ela, como a roda, é produto da ambição, do sonho, da vontade individual de progredir, do prazer( sem prazer ninguém produz e nem sequer se interessa em viver) etc, etc, etc, ...enfim , tudo isto que a falsa moral das ideologias e religiões condena e por isso. Mas isto é o que faz com se produza mais, e daí menos fome e menos miséria, ao contrário do que ocorre em Cuba, em que a alma humana foi considerada como um mal social.( sem prazer ninguém se interessa em produzir...)
Abraços,
assinado: anônimo
PS.melhorar o Homem é do interesse das pessoas que não têm compromisso com o poder político, e sim com o aprofundamento do estudo da natureza humana.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Amigo, ame... doe-se... Realize o melhor... cada um faz e deve à vida segundo suas crenças... Há muito já deixei de medir a verdade nas pessoas pelos raciocínios reluzentes, vejo-as em suas realizações... e como faço tão pouco, silencio-me... Não que negue minhas convicções, mas é que minha luta não fácil, pois na minha lealdade e sinceridade tento vivê-las e não consigo...Percebo problemas no processo cubano, porém, infelizmente, ando muito ocupado com as minhas imensas limitações... Não deixo de crer: no socialismo, no direito à diferença, na ternura e na genrosidade, no amor e na paz...
O camarada Fifel é pouco, mas é melhor do eu consigo ser diante das dores do meu próximo...
Porisso, venho tentando uma produção ( insignificante) no sentido de amar mais e compreender mais... Para servir, somente para isso...
Um abraço carinhoso, Jorge
Ps. As produções dos professores Merhy e Boff, abordados neste pequeno artigo, penso que são necessárias, e que elas nos convocam a fazer o muito que eu não tenho ainda feito; creio, e lhe parabenizo pois pelo caminho da sua fala, me parece que já é algo comum e natural aos seus atos cotidianos